Afinal... o que é essa tal liberdade?

Não é que as pessoas tenham grandes dificuldades existenciais em encontrar um conceito sobre o que é liberdade para elas. Não, não se trata disso.  Na verdade, o primeiro grande problema (dentro e fora da universidade) é que as pessoas por vezes definem de maneira equivocada o que é liberdade. 

23.01.2020

Allan Augusto Gallo Antonio


Nesse um ano participando das operações do Centro de Liberdade Econômica, a questão com a qual eu mais tenho me deparado é:

 “- Afinal...O que é essa tal Liberdade que vocês tanto falam?"

Acredito que nem seja preciso dizer que escuto isso quase que diariamente, seja de professores, alunos, funcionários, amigos, familiares e por vezes até de alguns desconhecidos.

Veja bem, não é que as pessoas tenham grandes dificuldades existenciais em encontrar um conceito sobre o que é liberdade para elas. Não, não se trata disso.  Na verdade, o primeiro grande problema (dentro e fora da universidade) é que as pessoas por vezes definem de maneira equivocada o que é liberdade enquanto o segundo maior problema é, uma vez que elas descobrem o que é, tendem a perder o interesse por ela.

Explico. Antes de ser pesquisador e mestrando em economia, sou advogado. Completei meus estudos de Direito com honras e durante mais de meia década toda minha energia foi direcionada para entender o que é justiça e como obtê-la. Afinal, o que há de mais justo e pertinente ao ser humano do que sua própria liberdade? Ao longo desses anos, descobri que todo o direito é estruturado em torno na noção de liberdade: liberdade penal, econômica, civil, tributária, administrativa, trabalhista etc. Tudo diz respeito a liberdade e como nos relacionamos com ela.

Poucos ousariam discordar que todos somos simpáticos ao conceito popular de liberdade. No entanto, não é raro encontrar aqueles que gostam de posicionar a liberdade num contexto de responsabilidade e primazia do interesse coletivo –  na minha experiência essas duas ideias são expressas por um ditado bastante conhecido - “Liberdade sem responsabilidade é libertinagem”.

Não há problema em reconhecer como natural e necessária para manutenção da paz democrática, o tipo de responsabilidade restrita às ações dos indivíduos. Aqui, refiro-me ao tipo de responsabilidade onde cada qual é responsável pelos seus próprios atos - sejam eles bem ou malsucedidos. O problema não é o termo responsabilidade, mas sim o fato desse conceito ser impregnado por uma noção coletivista, que entende a própria liberdade como uma libertação da necessidade e das circunstâncias que, inevitavelmente, limitam o leque de escolha que todos nós temos (HAYEK 1944).

Em outras palavras, o problema todo reside na ideia de que liberdade é uma libertação das amarras impostas pela própria realidade – uma liberdade da necessidade – que só poderiam ser superadas por meio de regras e estruturas.

Somos levados a pensar que a verdadeira liberdade consiste em não haver limitações financeiras ou políticas nas nossas escolhas. Saúde, educação, segurança, previdência e até mesmo a própria felicidade são, no contexto brasileiro, direitos constitucionais positivos que devem ser assegurados pelo Estado a fim de que sejamos verdadeiramente livres.

Parece ser a percepção da maioria das pessoas com quem converso, que a liberdade é estar livre da necessidade em si, de modo que sejamos livres das limitações impostas pela escassez. Para a maioria de nós, pessoas comuns, parece lógico que ser livre signifique não precisar escolher entre comprar um carro ou fazer uma viagem, comprar um celular ou uma roupa da moda ou até mesmo entre contribuições previdenciárias mais altas ou o fim da previdência pública.

É difícil admitir, mas contemporaneamente a ideia de liberdade está intimamente relacionada com a eliminação das barreiras que nos impedem de ter aquilo que queremos ou precisamos, mesmo que isso signifique estarmos subordinados a alguém que controle nossas vidas.

A realidade é que parece até óbvio que se defina a liberdade desse modo, mas a verdade é que tal conceito não passa de uma ilusão que quase sempre resulta em práticas não democráticas e autoritárias. Nessa perspectiva, a liberdade não passaria de um sinônimo de poder e riqueza. (DEWEY 1935).

No entanto, quando olhamos para o conceito clássico de liberdade, descobrimos que muito além de ser uma constante busca pelo poder político de emancipação material, ela é acima de tudo a liberdade da coerção.  Assim, em sua concepção verdadeira e sadia, a liberdade consiste em não estarmos sujeitos ao poder arbitrário de outros homens e na capacidade de podermos escolher não obedecer às ordens de um superior que tenha a pretensão de decidir por nós.

 Ao contrário da concepção sadia de liberdade, quando assumimos que tudo o que importa é estar liberto das necessidades, então é natural que busquemos o poder necessário para fazer-nos livres. Na maioria das vezes esse poder reside no Estado - que por sua vez só pode eliminar as necessidades de um grupo aumentando as necessidades de outro.

Entretanto, por mais poderoso que seja o Estado, ele não conseguirá mudar a realidade fática de que os recursos são escassos e as necessidades humanas ilimitadas.

É nesse ponto que a liberdade perde seu brilho – tanto para juristas quanto para o homem médio comum, pois é necessário pensar além das relações de poder e de compadrio.

Agora, se o verdadeiro conceito de liberdade é estar livre da coerção de outros e de poder escolher não obedecer às ordens de terceiros, as perguntas que se apresentam são:

 

  • Será que estamos dispostos a lutar pela liberdade mesmo quando estamos confortavelmente amparados por práticas autoritárias ou coletivistas que nos beneficiam?
  • Será que somos corajosos e coerentes para atacar ideias que tentem nos convencer de que a verdadeira liberdade consiste em estar livres das necessidades e que o estado é o veículo apropriado para satisfação de nossos anseios independentemente do espectro ideológico?
  • Será que estamos dispostos a abrir mão do poder e oportunidades em prol da liberdade verdadeira tão exaltada ao longo dos séculos?

 

Caro leitor, para mim as opções são claras. Podemos trabalhar no sentido de trazer o verdadeiro conceito de liberdade de volta, ao mesmo tempo que cuidamos de protegê-lo de investidas coletivistas ou podemos desfrutar confortavelmente de posições privilegiadas, isto é, até que o chicote do feitor se vire para as nossas próprias costas.

 

Referências Bibliográficas

HAYEK, Friedrich August. O caminho para a servidão. Edições 70, 2009.

DEWEY, John. Liberty and social control. Social Frontier, v. 2, n. November, p. 41, 1935.

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