Neste número da Revista Mackenzie Digital damos continuidade à reportagem especial que começou na edição anterior e que apresenta quatro mulheres mackenzistas dedicadas à pesquisa. Vamos conhecer agora Livia Eberlin e Cecília Castro Silva, pesquisadoras que atuam no MackGraphe e desenvolvem estudos para o combate ao coronavírus.

Fotos: acervo pessoal
Ilustrações: br.freepik.com

As pesquisadoras que integram esta segunda e última parte da reportagem especial sobre mulheres mackenzistas na ciência têm algo em comum: ambas estão vinculadas ao Instituto de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias (MackGraphe), em áreas distintas, mas com o mesmo foco: estudos para ajudar no combate ao coronavírus. No entanto, as semelhanças entre elas não terminam aí: Livia e Cecília também construíram carreiras de destaque internacional com muito esforço, dedicação e empenho para vencer os desafios que é fazer ciência.

Tecnologia na análise clínica

Livia Eberlin, 35, teve no pai — pesquisador mundialmente reconhecido na área de Química — uma grande influência para escolher a carreira. Na infância, foram muitas as vezes que ficou na faculdade onde ele trabalhava, esperando terminar o expediente para voltarem juntos para casa. Ali, a menina começou a se encantar com a vida nos laboratórios, ambiente que alimentava sua natural curiosidade sobre todas as coisas. Livia sempre quis investigar, descobrir e entender como as coisas funcionavam. Na escola, empolgava-se com as aulas de Matemática, Biologia e Química, e optou por esta última quando chegou o vestibular.

Graduou-se em Química pela Universidade Estadual de Campinas. Inspirada pela vivência nos laboratórios, decidiu começar logo a iniciação científica para confirmar sua vocação. Apaixonou-se pela espectrometria de massas não por acaso, é a mesma área em que seu pai atuava. “Consegui uma bolsa para ir para os Estados Unidos, o que me deu mais experiência e me permitiu pesquisar novas áreas de aplicação. Foi quando tive a oportunidade de trabalhar com a área de diagnósticos médicos e decidi fazer meu doutorado na mesma universidade”, referindo-se a Purdue University.

Depois, veio o pós-doutorado na Universidade de Stanford, consolidando a certeza de que aquela era sua vocação. “Identifiquei-me com as possibilidades de que a ciência tem de causar impacto positivo na vida dos pacientes com câncer. Desde então tenho tentado me aprimorar nessa área, e há seis anos tenho meu próprio laboratório”, diz Livia, que é professora do Departamento de Química, Oncologia e Medicina Diagnóstica da Universidade do Texas, em Austin (EUA), e professora do Departamento de Cirurgia do Baylor College of Medicine. No momento, são sete projetos de pesquisa em andamento que são financiados pelo National Institute of Health (NIH) e por outras fundações

Um dos primeiros projetos da Universidade do Texas foi o desenvolvimento da caneta de espectrometria de massas, chamada de MasSpec Pen, para detecção de câncer. “Trata-se de um dispositivo manual que usamos para analisar amostras diretamente. Começamos com a detecção de câncer durante a cirurgia para ajudar os médicos a retirar completamente os tumores nesse procedimento”, explica Livia.

Como a caneta pode ser adaptada para análise clínica de qualquer amostra, também vem sendo testada na área de alimentos, de detecção de drogas e de pesticidas agrícolas. “Quando a pandemia começou foi uma etapa lógica, uma nova direção. Pensamos em adaptar o método para a análise química a fim de detectar o coronavírus diretamente dos lábios nasais”, acrescenta. Realizado em cooperação com a professora Andrea Porcari, da Universidade de São Francisco, e o professor Marcos Eberlin, da UPM, o projeto avança a passos largos.

Com uma carreira produtiva e altamente premiada, hoje Livia atua no MackGraphe em projetos colaborativos, no laboratório de espectrometria de massas, onde realiza treinamentos e trabalhos com estudantes da graduação e da pós-graduação, em amplo intercâmbio de conhecimentos, de tecnologia e de experiências.

Um mergulho na nanociência

Cecilia de Carvalho Castro Silva, 34, teve o interesse pela ciência despertado quando ainda era criança, o que foi reforçado durante o ensino formal, com grande incentivo dos professores. Hoje, ela é graduada em Química pela Universidade Estadual de Maringá, com mestrado e doutorado pela Universidade Estadual de Campinas, com período sanduíche na universidade do estado de New Jersey (EUA).

Atualmente, a pesquisadora se dedica ao desenvolvimento de dispositivos do tipo transistores de efeito de campo baseados em grafeno, para o diagnóstico de covid-19. O projeto começou a ser desenvolvido em fevereiro do ano passado, durante sua permanência como professora visitante no Instituto Catalão de Nanociência e Nanotecnologia (ICN), em Barcelona, Espanha.

Desde 2016, Cecília atua como pesquisadora do MackGraphe e como docente na Escola de Engenharia da UPM. “Venho realizando pesquisas que exploram as propriedades dos materiais bidimensionais, como o grafeno, no desenvolvimento de dispositivos para aplicações eletrônicas e biomédicas. No MackGraphe, além das pesquisas de viés acadêmico, trabalhamos em projetos de colaboração com empresas e indústrias. Atuo ainda na orientação de alunos de graduação e pós-graduação no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Materiais e Nanotecnologia”, explica.

Recentemente, Cecília recebeu a distinção de figurar entre os pesquisadores emergentes na edição de 2021 do Jornal Nanoscale, da Royal Society of Chemistry. A publicação “Nanoscale profiles: contributors to the Emerging Investigators 2021 issue” reúne algumas das melhores pesquisas conduzidas por jovens cientistas, que foram selecionados por estarem realizando um trabalho com o potencial de influenciar os rumos futuros da nanociência. “Essa nomeação traz uma grande responsabilidade e comprometimento e me impulsiona a realizar uma ciência de impacto, que contribua com meu campo de trabalho e que possa ser transferida para nossa sociedade”, afirma.

Desafios

São muitos os desafios para quem deseja construir uma carreira no exterior. Uma barreira inicial para Livia foi a falta de fluência em inglês. “No meu primeiro ano de doutorado, eu sentia que estudava muito mais que meus colegas para compreender o material e me sentir no mesmo nível”, lembra.

Em relação à representatividade feminina na ciência, a pesquisadora afirma que existe um equilíbrio de gênero na graduação. “As diferenças se acentuam quando você vai subindo a ‘ladeira’. Aí você vê muito mais homens em cargos seniores. Acho que ainda falta — tanto no sistema estadunidense como no brasileiro — uma representação feminina nos cargos científicos mais altos, de liderança”, observa.

De acordo com Cecília, não só no Brasil, mas em grande parte do mundo ainda existe discrepância entre a participação de homens e de mulheres, o que é mais expressivo na área de Ciências Exatas e Engenharia. “Porém, estamos ampliando espaços para discutir essas questões e pensar em mudanças. Em âmbito global, muitas ações vêm ocorrendo para promoção de mulheres na ciência, seja via sociedade civil e/ou por políticas públicas. A disseminação de pesquisas lideradas por mulheres tem sido incentivada por jornais científicos. As mulheres vêm se organizando nas sociedades científicas, e muitos países, como Alemanha e Austrália, vêm promovendo políticas de inserção de mulheres nos quadros docentes das universidades e dos institutos de pesquisas”, esclarece.

Para Livia, o que teve maior peso foi a falta de cultura dos estadunidenses sobre o Brasil. “Muitos colegas desconhecem que em nosso país e na América Latina como um todo existe pesquisa séria em desenvolvimento. Com o tempo, eu fui me adaptando, mas eu me lembro de que, quando estava em Stanford, em várias reuniões eu era a única mulher presente e em seminários eu era a única pessoa de origem latina”, comenta.

Por sua vez, Cecília revela que os pesquisadores brasileiros que atuam fora do país muitas vezes são reconhecidos por sua criatividade científica e dedicação, bem como pela habilidade de pensar em soluções de problemas sob novas perspectivas — uma consequência de lidar com as dificuldades impostas para se realizar pesquisas no Brasil. “Poderíamos ir muito além se tivéssemos o reconhecimento e os investimentos necessários. Os pesquisadores de outros países têm esse olhar de reconhecimento da resiliência dos brasileiros”.

Ela afirma que o desenvolvimento científico nas universidades é extremamente importante. “Um aluno que é exposto a atividades de pesquisa durante sua graduação desenvolverá conhecimentos aprofundados em diferentes temas, aprenderá como utilizar o método científico, como delinear uma pesquisa e pensar de forma crítica, trabalhar em grupo, interagir com diferentes profissionais, proporcionando a este uma formação interdisciplinar”.

Cecília também destaca todos os investimentos que a UPM realiza nesse âmbito. “É um grande exemplo de instituição de ensino privada que investe os próprios recursos no fomento de pesquisas. O Fundo Mackenzie de Apoio à Pesquisa (MackPesquisa) vem, desde 1998, fomentando pesquisas na Instituição, seja por meio de bolsas para os alunos, seja por financiamento de projetos de pesquisas dos docentes. E, claro, outro grande destaque de investimento em pesquisa da UPM-IPM foi a criação do MackGraphe”, conclui.

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