Palavra do chanceler

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Título: Protestantismo e Educação
Elemento decorativo
Robinson Grangeiro Monteiro

Robinson Grangeiro Monteiro, chanceler do Mackenzie.

Foto: NTAI/Mackenzie

Em 2022, a Reforma Protestante completa 505 anos, tendo como marco de referência histórica as Noventa e Cinco Teses teológicas afixadas por Martinho Lutero em Wittenberg, Alemanha. Foi um ato preponderantemente religioso, com nuances políticas, sociais e econômicas, mas que também visava ao debate de ideias, algo incomum no ambiente convulsivo daquela época — em que o costume era resolver as coisas por meio da guerra.

Por múltiplas razões, a Reforma Protestante e seus desdobramentos certamente são dos mais importantes marcos históricos dos séculos XVI e seguintes.,. No entanto, uma delas chama a atenção: o impacto do protestantismo sobre a concepção e a abrangência da educação.

Muitos estudos, artigos e livros já foram escritos demonstrando a importância dada pelos reformadores para a educação, desde a básica até o ensino superior, visando não apenas preparar crianças e jovens para funções eclesiásticas, como era a ênfase da época, mas, principalmente para os negócios civis como esfera de atuação da confissão de fé e da cosmovisão cristã reformada.

Da iniciativa de João Calvino por meio da Academia de Genebra, em 1559, na qual, a princípio, o foco era a schola privata (que ensinava crianças e adolescentes até 16 anos) e, depois, a schola publica (que fornecia o ensino universitário), surgiu a Universidade de Genebra. Posteriormente, várias das maiores e renomadas universidades europeias e norte-americanas foram fundadas por protestantes nos séculos seguintes. Fica evidente o apreço dos protestantes pela educação como instrumento de transformação social e desenvolvimento da sociedade.

Aquela Academia de Genebra, considerada por um de seus professores, Charles Bourgeaud (1861–1941), “[…] a primeira fortaleza da liberdade nos tempos modernos”, demonstra, que “o calvinismo é uma biocosmovisão completa que envolve todos os aspectos da vida e todas as áreas do conhecimento humano. O calvinista não pode se satisfazer apenas com uma teologia reformada; ele busca uma filosofia igualmente reformada, uma ciência, uma arte, uma cultura, uma política reformada. Todas as áreas da ciência podem e devem ser exploradas a partir de pressupostos cristãos reformados, através da examinação pressuposicional (dos fundamentos teóricos) e estrutural, segundo o motivo bíblico elementar da criação-queda-redenção” (Gouvêa, 1996).

Alistar McGrath, o renomado estudioso de Calvino e do calvinismo, afirma que “O calvinismo se transformou num movimento internacional; um número crescente de universidades se tornou favorável em relação à nova religião” (MCGRATH, 2004). Tal era a importância que Calvino dava ao lugar da universidade, como formadora de valores aderentes à confessionalidade cristã, que ele chega a escrever a Eduardo VI, rei da Inglaterra entre 1547 e 1553, sobre o bom uso da subvenção real à formação acadêmica e à pesquisa em uma época na qual as bolsas de estudos eram tão estratégicas para os reinos quanto os tributos que mantinham os exércitos.

McGrath (2004), citando Alphonse de Candolle, analisa o interesse e a contribuição científica de pesquisadores católicos e protestantes e chega à conclusão de que os calvinistas eram, consideravelmente, uma minoria em muitas regiões da Europa naqueles tempos e, conforme a Academie des Scienses parisiense, entre 1666 e 1883, cerca de 18,2% dos pesquisadores eram católicos, enquanto 81,8% eram protestantes. Outro exemplo dado por ele é o fato de que “[…] a composição primitiva da Royal Society de Londres era dominada por puritanos” calvinistas, a ponto de, nos séculos XVI e XVII “[…] tanto as ciências físicas quanto as biológicas serem controladas por calvinistas” (MCGRATH, 2004). E a razão dessa discrepância (entre o segmento religioso da população e a contribuição científica) devia-se ao incentivo à pesquisa científica baseada na cosmovisão cristã de um mundo criado por Deus com ordem e previsibilidade, sem as quais nenhuma ciência exploratória e descritiva faria sentido; devia-se também ao fato de não haver hostilidade nem receio de proclamar a harmonia na relação entre a ciência e a fé.

De fato, o avanço da ciência, por incrível que possa parecer para alguns nos dias atuais, foi motivado pela concepção religiosa advinda do cristianismo e de suas crenças, as quais incluem a existência em Ser Superior racional, cujos princípios e leis naturais se revelam nas coisas que Ele criou, e que podem ser descobertas, estudadas e desenvolvidas como elementos formadores de mais conhecimento, mais pesquisa, mais descobertas. e assim por diante. Nesse sentido, John Lennox (2011, p. 39) trata aquilo que chama de “as raízes esquecidas da ciência” para afirmar que “[…] no âmago de toda ciência está a convicção de que o Universo é ordenado. Sem essa profunda convicção, a ciência não seria possível.”.

Essa mesma convicção faz Borges (2008) concluir em relação a Calvino e, de modo expandido, a todos os calvinistas verdadeiros: “Calvino confessa claramente a possibilidade de aliar a pesquisa à firme convicção de que há um só Criador e que, portanto, as investigações podem aprofundar-se quanto for necessário sem que se corra nenhum risco de uma descoberta científica ser prejudicial à vida de fé. A educação confessional calvinista é, portanto, uma forma de educação que deve privilegiar a pesquisa científica como um ato de fé e de reverência ao Criador”.

Nesse mesmo sentido insere-se a avaliação do Reverendo Ashbell Green Simonton, primeiro missionário presbiteriano a vir ao Brasil, em 1859, em sua célebre proposta ao Presbitério do Rio de Janeiro, sob o título Os meios propícios para plantar o Reino de Jesus Cristo no Brasil, em 16 de julho de 1867, na qual enumera, dentre seis iniciativas imprescindíveis para transformar o Brasil, a criação de escolas.

Simonton afirma:

É de confessar que a educação há de encontrar grandes obstáculos provenientes de muitas causas. Muitos pais de família são descuidados a este respeito, nem querem fazer os sacrifícios preciosos para educar os seus filhos. Estes de sua parte, não estando acostumados a obedecer a seus pais, não gostam do regime da escola bem dirigida […] Faltam professores e professoras com a prática necessária para bem desempenharem esta missão, e o governo ainda não admite a instrução e educação da nova geração. Sendo este meio indispensável, temos razão para esperar que Deus nos deparará os meios de atingi-los.” (SIMONTON, 1867).

Assim, a longa tradição educacional protestante aporta no Brasil, sobe a serra do mar anos depois e, pela instrumentalidade do casal Chamberlain, dá-se origem à nossa instituição aqui em São Paulo, em 1870. Para Mota, em seu artigo “À procura das origens do Mackenzie” (1999), a referência mais antiga ao que chama de “primeiro instante ‘mackenzista’ ” vem da tese de doutoramento Portrait of a Half a Century, de Robert Leonard McIntire na Universidade de Princeton e publicada pelo Centro Intercultural de Documentácion, no México, na qual se pode ler: “Naquele mesmo ano (1870), a senhora Chamberlain reuniu três crianças consigo e começou um trabalho que culminou na Escola Americana e, depois, no Instituto Mackenzie”.

Outra referência histórica obtida por Mota (1999) vem de Horace M. Lane, em um folheto publicado em 1891, em inglês, para distribuição nos Estados Unidos, onde se lê: “A escola São Paulo (Escola Americana) foi fundada em 1870. A sua primeira classe consistiu de duas pequenas crianças, um menino e uma menina — a primeira iniciativa neste Império no sentido de educação conjunta para ambos os sexos”. A iniciativa dos Chamberlain de abrir as portas da própria casa nos Campos Elíseos “[…] para ministrar lições de alfabetização a crianças não inseridas nas elites paulistanas […]” foi seguida pelo início de “[…] salas de ensino formal, então em outro endereço — rua Nova de São José nº 1, atual rua Líbero Badaró — matriz mais antiga da Protestant School, depois Escola Americana” (MENDES, 2007). Depois de passar por outra localização (a esquina da rua de São João com a Ipiranga) devido ao rápido crescimento no número de alunos, a nova etapa foi a criação dos chamados cursos superiores em 1886, o que deu razão para passar a ser chamado de Protestant College, um passo a mais para a consolidação que acentuou-se ainda mais com a posterior assunção à direção da Escola Americana e do Protestant College do médico e educador americano Horace M. Lane (1837–1912), que ali permaneceu por 27 anos.

Portanto, a Academia de Genebra pode ser considerada a semente que deu muitos frutos. E o Mackenzie aquele que veio germinar para abençoar nosso país. A seiva que flui dessas frondosas árvores é o espírito protestante.

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