Divertidamente e saúde mental: o que podemos aprender com o filme

08 de outubro de 2024 | Atualidades Destaque

O filme Divertidamente 2, da Disney, foi um sucesso de público e de crítica. Lançado em julho deste, o desenho foi um dos mais comentados nas redes sociais e caiu no gosto das pessoas, que logo o transformaram em um dos filmes mais especiais do cinema.

O longa volta às emoções de Riley, uma garota norte-americana que passa por uma grande mudança no primeiro filme. Na continuação, as emoções da menina - Alegria, Tristeza, Raiva, Nojo e Medo - precisam aprender a lidar com novos sentimentos: Vergonha, Tédio, Inveja e Ansiedade. As emoções vivem grandes aventuras enquanto Riley passa por novas transformações, dessa vez, com a chegada da adolescência.  

Em um cenário ficcional, no entanto, o longa possui grandes embasamentos científicos, principalmente no que diz respeito ao funcionamento da mente humana, das emoções e dos mecanismos de criação de memórias, pensamentos e a personalidade de uma pessoa. Além disso, tanto o primeiro filme quanto o segundo, passam por diversas questões relacionadas à saúde mental, como ansiedade e depressão.  

Para compreender a relação que o longa da Disney estabelece entre ficção e realidade, conversamos com o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Paulo Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social (SCNLab).  

De acordo com Boggio, é importante considerar que Divertidamente é uma metáfora, com alguns exageros que não correspondem à processos psíquicos, mas que foram elaborados para explicar de forma mais generalista. “Os filmes são excelentes, mas como todo filme, eles tratam algumas coisas como uma metáfora. Então, a gente tem que avaliar um pouquinho com cuidado. Não é preciso, mas eu também não sei exatamente como eles conseguiriam mostrar de uma forma mais correta”, aponta.  

Com isso em mente, o professor explica que foi boa a ideia de separar os dois filmes, primeiro com as emoções básicas e, na continuação, essas emoções lidando com emoções mais complexas, por vezes, chamadas de secundárias. “As emoções básicas são consideradas básicas porque elas seriam vistas como emoções universais, então independente da cultura, do país, da origem, todo e qualquer indivíduo da nossa espécie teria essas emoções e elas são aquelas que estão lá no filme”. Ainda de acordo com Boggio, esses sentimentos estão relacionados com mecanismos de proteção do ser humano. 

“Por exemplo, o medo tem um papel fundamental para proteger a gente de situações que são potencialmente ameaçadoras ou perigosas. O nojo tem um papel para evitar contaminação, evitar algumas doenças. Então, esses são aspectos bem primários dessas emoções”, explica.  

Já no segundo filme, as novas emoções se relacionam com outros aspectos do desenvolvimento humano. “A gente começa a ter essa gama de emoções e algumas chamam-se secundárias ou complexas, e algumas inclusive a gente vai chamar de emoções sociais/morais, porque elas têm papeis nas questões relacionadas à interação humana, ao relacionamento, à noção do que é certo e errado”, diz o professor. 

Por outro lado, Boggio aponta que nosso cérebro não possui um painel de controle para as emoções controlarem as ações humanas, como se fossem mini pessoas dentro de cada pessoa.  

“O funcionamento cerebral tem uma rede altamente complexa, muito dinâmica, em que as estruturas interagem o tempo inteiro. Não existe um lugar ou uma população específica de neurônios que separa as emoções. A gente tem uma rede, tanto que muitas emoções, servem para indicar coisas que às vezes, a princípio são diferentes, mas que vão para além daquilo que era a ‘finalidade’ original da emoção”, destaca.  

Outro ponto levantado por Paulo Boggio é sobre a relação entre memórias e a construção da personalidade de uma pessoa. “É bem bonita aquela ideia de que as memórias vão se somando e vão construindo quem a gente é. Ao longo do desenvolvimento, a gente vai tendo memórias, a gente vai passando por várias situações e essas situações vão sendo consolidadas como memória de longo prazo, e quando a gente lembra, a memória é uma reconstrução, ela não é uma fotografia”. 

Além disso, Paulo Boggio ressalta a relação das emoções com a razão. Para ele, por mais que o ser humano tente separar os dois, razão e emoção caminham lado a lado e se influenciam. “A gente não é guiado simplesmente por decisões racionais, a gente é guiado também pela interface de questões racionais com questões afetivas. Isso não é ruim. Elas servem muito como um sinalizador”. 

O professor aponta que os criadores do filme se basearam em diversos estudos científicos e modelos criados por pesquisadores renomados.  

Sobre a relação com a saúde mental, algo explorado no filme, principalmente a partir do surgimento da personagem Ansiedade, Paulo Boggio afirma que as emoções não podem ser separadas entre boas ou ruins, nem mesmo a ansiedade. “O filme, no começo, mostra a ansiedade não necessariamente como algo ruim. Ou seja, pensar em como eu vou responder a alguém ou me antecipar com relação a alguma coisa que eu preciso fazer, não é necessariamente negativo”.  

“O que vai sendo visto é que ela vai evoluindo de uma maneira muito, muito rápida, ficando muito ruim para a pessoa, a ponto da menina ter praticamente uma crise de ansiedade. Então, ela começa a entrar naqueles pensamentos repetitivos e tentar antecipar tudo, e tentar prever tudo, e aí é quando aquilo que era benéfico passa a ser negativo”, diz o professor.  

Ele aponta que a principal lição do filme é mostrar como é importante ter equilíbrio na vida, inclusive, ao se aprender a lidar com a ansiedade. “Se for bem equilibrada, a ansiedade vai ter a função de motivar a pessoa a se planejar, se organizar, pensar no futuro, enfim, não vai simplesmente sair fazendo as coisas sem ter algum tipo de preocupação”.  

“Um dos aprendizados importantes é como a gente balanceia as emoções, como a gente organiza essas coisas todas para tomar boas decisões e ter uma vida feliz, uma vida saudável, uma vida equilibrada”, destaca Boggio. 

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