Universidade e Ecologia

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Carta de Princípios 2007

20.02.2007 Chancelaria

Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes


A geração que hoje ocupa as universidades de nosso país receberá um legado ameaçador, que são os graves problemas ambientais que afligem o nosso planeta. Muito embora devamos ser críticos em relação ao tom catastrófico e apocalíptico com que organizações ambientalistas costumam se pronunciar sobre o futuro do planeta e de seus habitantes, existe pouca dúvida de que a crise é, de fato, real. Poluição dos rios, dos mares e do ar, desmatamento, redução da camada de ozônio, não só a ameaça, mas a extinção de espécies animais, aquecimento global – são apenas alguns dos itens na pauta de ambientalistas, governos e religiosos. Essas preocupações têm a ver com a sobrevivência da raça humana num planeta cujas reservas estão sendo exauridas a passos largos. Cabe à nossa própria geração entender a situação e tomar decisões que ao menos nos permitam esperar dias menos sombrios. Nesse contexto, destaca-se o papel crucial da Universidade, especialmente de natureza confessional. Universidades confessionais são aquelas que “atendem a orientação confessional e ideologia específicas”. A orientação confessional da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sua ideologia específica é o Cristianismo reformado, conforme a Bíblia e a Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana do Brasil. O papel do Mackenzie consiste na formação de uma mentalidade que permita aos seus professores, aos seus alunos e à comunidade em que está inserida, uma reflexão coerente, abrangente e frutífera sobre os destinos do meio-ambiente. Vale a pena ainda lembrar que a preocupação com o meio-ambiente faz parte da esfera mais ampla de responsabilidade social, que é uma das marcas do Mackenzie.

Leis de Diretrizes e Bases, Art. 20, III.

A Relação entre a Cosmovisão e Questões Ambientais

Em nossa concepção, há uma relação inseparável entre os conceitos de “cosmovisão” e “ecologia”. O primeiro é uma maneira peculiar de entender nossa relação com Deus, com o próximo e com o mundo; e o segundo é o estudo das interações dos seres vivos entre si e com o meio-ambiente. Em outras palavras, aquilo que acreditamos acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo onde vivemos determinará nossas decisões quanto ao nosso planeta. 

O Cristianismo tem promovido através dos séculos uma cosmovisão coerente e abrangente que tem interagido com a ciência e o progresso. Estudiosos têm reconhecido a necessidade de uma base religiosa na área da ecologia. “A ecologia humana é profundamente condicionada pelas crenças sobre nossa natureza e nosso destino – isto é, pela religião”. É aqui que encontramos a importância da Universidade confessional em formar uma mentalidade cristã que proporcione uma abordagem positiva e coerente em relação aos problemas ambientais.

É um fato que encontramos entre os grandes poluidores do planeta alguns paises que nasceram sob a égide do Cristianismo. Tal constatação não invalida os ensinamentos bíblicos sobre o cuidado com a natureza. No máximo, sugerem que esses ensinamentos não permearam suficientemente a cultura e a mentalidade dessas sociedades. Ou ainda, que os referenciais cristãos, que num passado distante foram adotados por elas, são agora rejeitados ou distorcidos, no todo ou em parte, em nome dos interesses econômicos.

Lynn White Jr., “The Historical Roots of Our Ecological Crisis”, In: Science, vol. 155, pp. 1203-1207, 10 de março de 1967. 
 

Uma Abordagem Ecológica Cristã

Os seguintes pontos tirados da fé cristã reformada podem servir de base para a formação de uma mentalidade ecológica cristã.

1) O mundo foi criado por Deus. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1.1). O mundo é obra de suas mãos, mesmo que não saibamos, em termos científicos, a maneira pela qual a sua Palavra trouxe todas as coisas à existência. A origem divina de tudo o que existe não significa que nosso planeta é uma extensão de Deus ou muito menos que mereça nossa adoração. Significa que ele merece nosso respeito e nosso cuidado, como o lar que Deus preparou para nós e os demais seres vivos. Significa também que Deus é o soberano Senhor da criação, como disse Davi, rei de Israel, muito tempo atrás: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24.1).

2) O mundo foi criado bom. “E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1.31a). “Muito bom” é o veredito do Criador sobre a natureza. Ela foi declarada boa tanto pelo seu valor intrínseco quanto por sua perfeita adequação às necessidades humanas. Isso difere da visão do antigo dualismo entre matéria e espírito, que equiparava a matéria à desordem. De acordo com essa visão, a matéria é má e pecaminosa. Perspectivas que têm uma visão negativa do mundo físico ou que o separam da sua origem transcendente dificilmente podem nos dar alguma esperança de achar soluções racionais e abrangentes para nossos problemas ambientais.

3) O mundo funciona de acordo com leis e princípios estabelecidos por Deus. A convicção fundamental da ciência é que o mundo funciona de acordo com leis e princípios regulares e constantes e, portanto, previsíveis. Essa base é dádiva da visão cristã de que o mundo foi criado de forma ordenada por um único Deus, um Deus de ordem, e não por vários deuses ambíguos, contraditórios, incoerentes e caprichosos, a partir da matéria caótica, como acreditam alguns. Foram cientistas com as convicções acima, no todo ou em parte, que lançaram as bases da moderna ciência e da tecnologia, como os astrônomos Kepler e Galileu, os químicos Paracelso e Van Helmont, os físicos Newton e Boyle e os biólogos Ray, Lineu e Cuvier, para citar alguns. Somente com esses referenciais podemos entender o funcionamento do meio-ambiente, do mundo e seus recursos, perceber os desastres que estamos causando por violarmos essas leis e prever soluções.

4) O ser humano é único. De acordo com o Cristianismo, o ser humano foi criado por Deus juntamente com a natureza e os demais seres vivos. Nesse sentido, é parte integrante dela. Todavia, ele foi feito de forma única, à imagem e semelhança de Deus, o que o distingue do restante da criação. A imagem de Deus implica, entre outras coisas, que o ser humano foi dotado de inteligência e, portanto, pode interpretar as leis do mundo e prover os meios de preservá-lo. Em algumas cosmovisões o ser humano, a natureza e Deus estão em níveis idênticos e fazem parte de uma mesma substância, o que torna impossível ao ser humano transcender a natureza para poder analisá-la, dominá-la e ajudá-la.

5) O ser humano é mordomo da criação.“Tomou o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gênesis 2.15). Deus o colocou no mundo como seu gerente e lhe deu alguns mandatos: cuidar da criação, de onde tiraria seu sustento, protegê-la e preservá-la, conhecê-la, estudá-la, para assim conhecer melhor a si mesmo e a Deus. O ser humano é o mordomo de Deus. Não é o soberano senhor, dono e déspota, mas o responsável diante de Deus pelo emprego correto dos recursos naturais, pelo seu próprio desenvolvimento de forma sustentável e pela preservação dos demais seres vivos.

6) Vivemos num mundo afetado pelo pecado. De acordo com a Bíblia, quando o ser humano colocado no jardim se revoltou contra o Criador, precipitou no caos a si mesmo e a criação pela qual era responsável. “Maldita é a terra por tua causa” (Gênesis 3.17) foi a sentença do Criador ao ser humano, agora sujeito à morte, a retornar ao pó de onde fora tirado. Tensões se estabeleceram entre Deus e o ser humano, entre o ser humano e seus semelhantes, e entre o ser humano e a natureza. A crise que vivemos hoje se deve a estas tensões:

a. Separado espiritualmente de Deus, o ser humano perdeu a referência da sua existência e da relação criatura-Criador. Essa última perda, em especial, afetou profundamente a sua maneira de ver o mundo, que ele ora agride e exaure, ora venera e teme como a um deus.

b. Vivendo em tensão emocional em relação aos seus semelhantes, o indivíduo dedica-se a buscar seus próprios interesses, mesmo que à custa do próximo. A exploração egoísta e desenfreada dos recursos naturais é feita sem levar em consideração que os mesmos faltarão à próxima geração.

c. Em tensão com a natureza, o ser humano a explora, agride e exaure, em nome do poder, do lucro e do progresso. O meio ambiente é para ele somente um bem de consumo.

Diante do exposto, entendemos que os problemas ambientais são primeiramente de origem moral e espiritual. Entendemos ainda que a solução passa pela transformação interior das pessoas, uma mudança de mentalidade com relação a Deus, ao próximo e à natureza. Em suma, é esse o apelo e o chamado do Evangelho.

Uma abordagem ecológica que tenha os fundamentos acima como referência poderá escapar dos extremos de algumas perspectivas populares:

1) Uma visão mística, em que o ser humano não mais é entendido como mordomo de Deus encarregado de cuidar, desenvolver e usar a natureza com sabedoria. Ao contrário, é entendido como servo dela, com a obrigação de preservá-la, como se ela fosse sagrada e como se o ser humano devesse manter uma atitude de adoração para com ela. Essa visão impede o uso inteligente e racional dos recursos naturais, a busca de soluções para os graves problemas humanos e o desenvolvimento do ser humano em geral.

2) Uma visão sentimentalista da natureza, que tem como ideal a vida rural. Por mais atraente que tal visão seja, ela não faz justiça à vocação e à responsabilidade do ser humano. O progresso do ser humano, conforme a Bíblia, é do jardim para cidade, e não necessariamente de volta para o campo.  Essa visão, à semelhança da anterior, impede que o ser humano explore com sabedoria e responsabilidade os enormes recursos naturais à sua disposição e que podem promover seu progresso e bem-estar, e isso sem a depredação da natureza.

3) Uma visão antropocêntrica, que coloca o ser humano no centro e recorre a soluções tecnológicas para a crise ecológica que, além de serem extremamente caras, acabam mantendo a atitude de desprezo para com o meio-ambiente. Essa visão tende a agravar a crise e a lançar o ser humano cegamente no caminho da autodestruição.

Cremos que a fé cristã-reformada provê as premissas epistemológicas, morais, espirituais e éticas para que possamos lutar pelo meio ambiente e em prol do nosso planeta, fazendo ecologia de forma coerente e integral.
 

O Papel da Universidade Confessional Nas Questões de Meio Ambiente

As universidades confessionais, por definição, “atendem a orientação confessional e ideologia específicas”, ainda que conscientes da pluralidade e do contraditório presentes na academia. Essa orientação e ideologia confessional específica – no caso do Mackenzie, a fé cristã reformada – é a premissa que cria o ambiente onde a pesquisa acadêmica e a investigação científica são feitas, onde o saber se processa e é transmitido, e onde se forma uma mentalidade ecológica integral, abrangente e multidisciplinar.

O Mackenzie pode contribuir para amenizar a crise ecológica formando cidadãos e profissionais conscientes de que as questões ambientais podem ser satisfatoriamente abordadas a partir das premissas mais amplas oferecidas por uma visão cristã do mundo. Para isso, o Mackenzie dependerá de professores, colaboradores, alunos e mackenzistas em geral que, mesmo não abraçando a fé cristã reformada, estejam comprometidos com essas premissas ou estejam abertos para as mesmas.
 

Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da UPM