04.01.2022 Cultura
Em outubro do ano passado, foi alterada a Lei de Improbidade Administrativa. As mudanças no texto que estava em vigor há 29 anos são muitas, mas a principal delas, apontam estudiosos, é a obrigação do dolo para a responsabilização dos agentes públicos em caso de mal uso dos recursos públicos. A atualização dos termos está gerando um debate no meio jurídico e foi tema do quinto episódio do Mackcast, o podcast jurídico da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), disponível aqui.
Participaram desta conversa o coordenador do curso de pós-graduação em Processos nas Cortes Superiores, Fabiano Tesolin, e o coordenador do Laboratório dos Estudos de Direito e Transformação Digital, Rodolfo Tamanaha. Ambos são professores do curso de Direito da FBMB.
Levando em consideração a recepção desta nova Lei no meio jurídico, o professor Tesolin avalia que "são opiniões provisórias, especulações e nenhuma certeza. Ainda se trata de um tema muito novo”, disse.
Mudanças
Juristas, advogados e estudiosos têm pontos de vista diferentes sobre as novas premissas agora em vigor. O principal ponto de debate diz respeito sobre como a lei determina a proteção ou a acusação de quem possivelmente a viola. “Alguns dizem que houve uma flexibilização do regime sancionador, enquanto outros argumentam que, na verdade, houve um fortalecimento das garantias daqueles que são passíveis de acusação no processo”, demonstrou Tamanaha.
Apesar do debate em torno desta revisão na antiga Lei, são inegáveis as mudanças em diversos âmbitos que ela trouxe. Especialistas indicam que são impactados por ela o Direito Processual, o Direito Material e, também, a própria relação da improbidade administrativa com o Direito Penal e o Direito Civil.
No quesito da violação de princípios, alguns termos foram modificados. “Antes qualquer coisa poderia ser considerada violação de princípios. Hoje, com a nova lei, é especificado o que se configura violação de princípios dos bens públicos”, esclareceu Tesolin.
Um dos pontos mais discutidos é a prescrição intercorrente, ou seja, a perda do direito de exigir judicialmente algum direito subjetivo por inércia do autor do processo. A nova Lei unifica os prazos prescricionais, estabelecendo 8 anos a partir da prática do ato.
“Mesmo que seja uma mudança positiva, eu acho que este prazo pode causar alguns problemas. Não é incomum que a justiça demore mais tempo para solucionar processos que ainda são mais simples do que este”, afirmou Tamanaha.
Além disto, a nova Lei interfere também na legitimidade de quem pode julgar nos casos de improbidade. Anteriormente, estas ações eram permitidas aos Ministérios Públicos e aos entes públicos lesados. Hoje, apenas o MP pode ajuizar no caso.
“Há uma coisa que me preocupa. Existe um dispositivo na lei que diz que MP tem um ano para assumir todas as ações que foram ajuizadas pela Fazenda Pública e, se ele não assumir estas, elas serão extintas sem resolução no mérito”, observou Tesolin.
Os professores estão em acordo nesta preocupação, ponderando o curto prazo para que os MPs estaduais e distrital têm para ajuizar todas estas ações de improbidade. A questão que fica é: qual será o planejamento para cumprir com esta determinação?
O que se pode dizer é que esta nova Lei, de um modo geral, estabelece de forma mais clara o que pode ser tipificado como improbidade administrativa. Ela observa a legislação atual sobre o tema e leva em consideração todo o progresso alcançado até aqui, atribuindo para si os pontos mais importantes.
“Podemos reconhecer que ela está se direcionando para, efetivamente, enfrentar condutas que são destituídas, obviamente, de um sentido jurídico, ou seja, condutas que de fato estão em desarmonia com a legislação.”, declarou Tamanaha.
Histórico
Em 2018, a Câmara dos Deputados nomeou uma comissão de juristas, presidida pelo ministro Mauro Campbell do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para propor uma reforma na lei. “Embora, com quase trinta anos, esta lei foi muito importante para o país. Ela conseguiu construir balizas para defesa da administração pública como um todo e proteção ao patrimônio público. Apesar das falhas, foi muito relevante ao Brasil”, relembrou Tesolin, um dos juristas participantes da comissão.
Quando se reuniu, esta comissão estabeleceu três principais premissas. A primeira seria incorporar boa parte da jurisprudência do STJ, o responsável constitucional por interpretar a legislação infraconstitucional. Aproveitando assim a compreensão do órgão onde a lei era omissa ou controvertida.
A segunda premissa foi a compatibilização da lei de improbidade com novas normas como, por exemplo, a Lei Anticorrupção de 2013 e o Código de Processo Civil de 2015. E, por último, a terceira premissa foi incorporar novos mecanismos de combate à corrupção. O principal deles, à época, era o Acordo de Não Persecução Cível.
Entre a lei e o projeto, boa parte das proposições foi desconsiderada. “Faz parte do jogo democrático, mas é importante entendermos que esta nova lei é fruto do debate jurídico e legislativo”, concluiu Tesolin.