A retirada da autonomia do Banco Central (BC) é tema que foi trazido à baila pelo atual governo federal e merece atenção de toda a população. Muito mais que mera questão técnica, o poder de autodeterminação da referida entidade é questão apta a acarretar profundos efeitos na vida prática da sociedade, com evidentes consequências econômicas. A análise do arcabouço institucional e das potenciais consequências sobre o desenvolvimento brasileiro é essencial para a compreensão do risco que eventual alteração legal pode produzir sobre o futuro deste país.
A Lei Complementar (LC) nº 179, de 2021, reconheceu a configuração jurídica do BC, caracterizando-o, no artigo 6º, “pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira” e “ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”. A mencionada entidade tem como objetivo fundamental “assegurar a estabilidade de preços”, além de ter outras preocupações como “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego” (artigo 1º, caput e parágrafo único). Ponto interessante a ser observado atine ao fato de o mandato do Presidente do BC, com duração de quatro anos, ter início somente em “1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República”, situação que induz postura mais independente do referido profissional, uma vez que tomará suas decisões em contextos políticos dominados por visões possivelmente diferentes. Nesse caso, o interesse do Estado brasileiro poderá sobrepor-se a quaisquer posicionamentos ou veleidades do governo de ocasião, afastando o mandatário do Banco Central de eventuais pressões populistas daquele que, em dado momento, estiver ocupando a chefia do Poder Executivo, seja à esquerda ou à direita no espectro político.
A autonomia do BC é tópico constituinte de discussão profunda que deveria pautar o campo político nacional: a relevância das instituições para o desenvolvimento socioeconômico do país. É sobejamente demonstrado pela experiência histórica que uma estrutura institucional adequada pode ensejar um ambiente convidativo a investimentos, com todas as consequências positivas daí advindas. O contrário é igualmente verdadeiro, pois a fragilidade de instituições é capaz de afugentar capital para localidades que não lhe sejam hostis e que apresentem segurança jurídica. Neste sentido, cogitar a hipótese de retirar o poder de autodeterminação do Banco Central e sujeitá-lo aos interesses do Chefe de Executivo não parece ser medida que contribua para a construção de campo institucional capaz de atrair e reter capitais e agentes produtivos em território nacional.
O populismo é fenômeno político recorrente na república brasileira desde seus primórdios, independentemente da orientação política que esteja no poder. Considerando-se o contexto mundial, no qual se verificam práticas populistas em diversas partes do globo, parece temerário acreditar que, em caso de alteração do status do BC, não haja subversão do papel deste órgão no que toca ao cumprimento dos objetivos mencionados na lei. A utilização de instrumentos econômicos na busca de ganhos políticos seria decorrência naturalmente esperada caso tal mudança estrutural seja concretizada. Assim sendo, construir e preservar instituições adequadas ao desenvolvimento nacional é elemento fulcral para o futuro do país, como solidamente demonstrado na obra “Por que as nações fracassam”, de Daron Acemoglu e James Robinson.
O Brasil, no momento, está diante da bifurcação que pode levar o futuro do país no campo econômico (e, consequentemente, social) para lugares substancialmente diferentes. Cabe à sociedade atentar-se aos movimentos políticos nos próximos tempos e pressionar os agentes públicos para evitar que decisões vislumbrando interesses meramente eleitoreiros e de curto prazo conduzam ao comprometimento do futuro da geração atual e das vindouras. A atuação autônoma do BC não é óbice ao desenvolvimento do país, como a retórica política pode levar a concluir, mas pressuposto para a edificação de ambiente institucional juridicamente seguro e apto para o desenvolvimento da economia. Somente assim será possível cumprir o ditame constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Autor: Elton Duarte Batalha – Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.