Michael Sandel, o aclamado professor de Harvard, esteve na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), na noite de segunda-feira, 07 de agosto, para discutir democracia, filosofia e política com um auditório Ruy Barbosa lotado, além dos participantes on-line, no evento internacional Fronteiras do Pensamento.
O reitor da UPM, Marco Tullio de Castro Vasconcelos, destacou a importância da Universidade ser sede de um evento como esse. De acordo com ele, como entidade confessional, o Mackenzie deve fomentar espaços de discussão que tragam voz e luz a questões sociais das mais diversas ordens.
“A palestra do professor Sandel nos permite refletir sobre as muitas realidades de nosso país, com todas as suas mazelas. Entender e buscar soluções é parte de nossa identidade como espaço acadêmico e que repercute sua atuação na sociedade”, destacou o reitor.
O evento contou ainda com a apresentação do Coro Universitário Mackenzie, regido pelo maestro Parcival Módolo, também coordenador de Arte e Cultura da UPM, que atua sob a Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PREC), comandada pelo professor Cleverson Pereira de Almeida.
Além do grande público acadêmico, interno e externo, participaram do evento diversas autoridades mackenzistas, com destaque para o chanceler do Mackenzie, reverendo Robinson Grangeiro Monteiro; a Diretoria Executiva do Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM); além de outras autoridades do meio acadêmico da UPM. Rodrigo Cordeiro, CEO da Delos Bureau, apresentou o Fronteiras do Pensamento; e Fernando Schüler, curador do evento, moderou o momento de perguntas e respostas com o professor Sandel.
Polarização e esvaziamento do discurso político
“Quando as pessoas escutam sobre filosofia, elas acham que são coisas abstratas, discussões de filósofos que têm suas cabeças nas nuvens”, disse Sandel no início de sua palestra. Para ele, no entanto, esses pensadores pertencem à cidade, onde discussões reais acontecem e modificam a realidade vivida.
De acordo com o professor, quando os tempos estão polarizados e frágeis; quando encontramos pessoas irritadas e furiosas, é então que os filósofos têm um grande trabalho a fazer. “Atualmente, então, eles têm de trabalhar muito”, afirmou ele, destacando que a democracia requer que cada cidadão se torne um filósofo, pelo menos por parte do tempo.
Para Sandel, a profunda frustração e polarização com a política vem dos termos vazios do discurso político, em especial nas últimas décadas. “Ou é algo tecnocrático e distante, que não inspira ou, quando é um discurso emocional, se torna a respeito de gritos e ódio”, disse.
Globalização e economia
“Como pode ter nossa vida política ter se tornado tão vazia? Por que não estamos discutindo valores éticos e morais?”, questionou o professor, indicando que tais questões não são abstratas, mas sim tocam a realidade mais imediata, bem como nosso princípio de justiça.
De acordo com ele, o discurso reforçado pelas lideranças globais ao longo dos anos 1990 e 2000, de que o mercado poderia se autorregular e que o Estado mínimo seria a melhor saída em um mundo globalizado e com um capitalismo financeiro, não se provou tão efetivo quanto diziam.
Além disso, apostar as forças de sociedades inteiras na meritocracia – em especial em um cenário de profundas desigualdades – para que houvesse mobilidade social, demonstrou também fraqueza.
“Víamos a mobilidade social dos EUA como uma resposta à meritocracia, no entanto, vemos que os europeus, hoje, têm mais mobilidade social que os EUA”, pontuou o professor.
Diante disso, Sandel questionou quantas gerações seriam necessárias para que um filho de uma família pobre alcançasse uma renda média em cada país. “Na Dinamarca, seriam duas; nos EUA, seriam cinco. No Brasil, seria preciso nove gerações”, adicionou ele.
O “modelo” vendido por tais discursos, então, de que na globalização e neste estilo de sociedade os ganhadores ganhariam, mas os demais poderiam ascender, não foi alcançado. “Além da desigualdade econômica ter aumentado, houve uma atitude modificada em relação ao sucesso que veio disso e os ‘ganhadores’ acreditaram que suas vitórias se sustentavam em si, não percebendo a contribuição dos ‘perdedores’ no processo”, acrescentou o professor.
Na análise do especialista de Harvard, isso não só fez com que o discurso meritocrático fosse percebido como uma farsa, mas que o “se você tentar, você consegue”, ia além disso.
“O que as elites não entenderam era o insulto implícito que dizia que se você não for bem na nova economia, é uma falha sua, a culpa é sua. Isso insultava algumas pessoas e muitos trabalhadores se revoltaram com essas elites”, assinalou.
Debate coletivo para questões fundamentais
Alguns pontos para se pensar o quanto este modelo pode ser injusto foi proposto por Sandel aos participantes, lembrando que os fatores de sucesso, além de trabalho duro, envolvem ainda questões genéticas, de talento, igualdade de condições para todos e uma certa demanda de mercado que busca mais determinado talento em determinado tempo.
“Quem é o responsável pela demanda criada por determinados profissionais, por exemplo?”, perguntou. Ou seja, se as próprias pessoas não são responsáveis por esses fatores, então não se pode falar em meritocracia e isso estaria longe do princípio de justiça.
Não descartando questões como trabalho duro e esforço, Sandel propõe que se a política for apenas se adequar à vida econômica, então podemos dizer que esse pensamento esvaziou o debate público, tirando dos cidadãos o direito de atuar, sobrando apenas consumidores em uma sociedade guiada por tecnocratas e economistas. Ao contrário, o professor diz que é preciso convocar a sociedade em espaços coletivos de debate para repensar nossos princípios de justiça da sociedade, debater novos modelos e não parar de questionar.