vista do minhocão com céu azul
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Minhocão: via expressa, parque ou desmonte?

Debate promovido pelo Centro Mackenzie de Liberdade Econômica discute futuro do elevado João Goulart em São Paulo

23.04.201916h37 Comunicação - Marketing Mackenzie

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Em fevereiro deste ano a Prefeitura de São Paulo declarou que iria desativar o elevado João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão. A estrutura que liga a Zona Oeste da cidade paulistana à Zona Leste e Centro seria transformada em um parque suspenso que teria obras iniciadas já em 2019. No entanto, a decisão levantou diversas questões a respeito, desde a possível piora da mobilidade no local, até a não discussão da opção do desmonte da estrutura, passando por alterações econômicas no espaço e questões de saúde da população.

Para debater sobre o tema e entender melhor as pretensões da administração pública, na noite de 22 de abril, o Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE) realizou, no campus Higienópolis, mesa redonda de discussão com José Armênio de Brito Cruz, presidente da SP Urbanismo (empresa ligada à Prefeitura); Gabriel Rostey, mestre em Urbanismo e sócio-diretor e fundador da Culturb Tendências & Soluções; e Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). A conversa foi mediada por Vladimir Maciel, coordenador do CMLE da UPM.

Diálogo aberto

De acordo com Cruz, o principal desafio que há na transformação do Minhocão em parque é a sociedade se dispor a discutir o projeto de forma aberta e participativa “e oferecer as diversas colaborações e diretrizes para o projeto, que é nossa intenção na Prefeitura, que vê como positiva essa transformação do elevado”. E por isso o presidente da SP Urbanismo afirma que será aberta audiência pública sobre o assunto para enriquecer o debate.

Para ele, a administração do prefeito Bruno Covas está apenas implementando uma decisão que já era lei. “O Plano Diretor já colocava a desativação gradativa do elevado e do uso de carros. A Lei 16.833, de fevereiro de 2018, colocou a perspectiva da implantação do parque e então o prefeito resolveu enfrentar a questão e implantar o que uma lei já previa”, completa Cruz.

Decisões políticas

Já Rostey acredita que a recente atitude do prefeito seja uma decisão política que, como conta, “agora os técnicos vão tratar de fazer o melhor possível para justificar”. Ele diz que apesar do parque ser previsto em lei, “somos nós que fazemos as leis também e elas devem servir ao que é interesse da cidade, e não ao contrário”.

O sócio-diretor da Culturb enfatiza que o Minhocão é diferente de outros projetos arquitetônicos suspensos ao redor do mundo porque antes de sua construção havia uma via muito utilizada ali, ou seja, ele ocupa um espaço público e não privado. “Na maioria dos casos de elevados transformados, foram projetos de antigas ferrovias ou que necessitaram de novas construções para se tornarem projetos paisagísticos e não um "arremedo" como se quer fazer aqui”, coloca.

Mudanças positivas ou negativas

Caldana pontua que se todo esse processo de mudança visar apenas o parque, será uma transformação negativa. Isso porque o problema do Minhocão não está na parte superior, mas sim abaixo do elevado. “Não interessa o que se faça lá em cima, parque, trólebus, avenida, pois a destruição que o Minhocão provoca é o próprio elevado, é a presença dele, não seu uso. Ele destrói o chão da cidade, a cidade real. Assim, se a intervenção for colocar um parque elevado, não vai fazer diferença nenhuma, vai se degradar com uma rapidez muito grande e pode até piorar a situação”.

O professor ressalta que, no entanto, há pontos positivos no processo, como o diálogo para essa questão. “A Prefeitura tirou o espinho da garganta, mas se for para fazer só o parque, nem mexa. Agora, se fizer um projeto de reurbanização da área, do chão, e neste projeto discutirmos alternativas para o Minhocão, quem sabe um parque em um pedaço, com demolição de parte do elevado, talvez com um projeto para construção de residências, enfim, há diversas alternativas. Mas temos de começar do chão”, completa ele.

Quando perguntado da possível deterioração mais acelerada da estrutura do elevado no caso da sua transformação em parque, Caldana afirma que essa é uma possibilidade apenas se o projeto for mal feito. “Não queremos partir do princípio de que vão fazer um projeto ruim, mas nosso passado recente indica que os problemas surgem na obra e na manutenção. “A Prefeitura está vendendo o Ibirapuera porque não consegue cortar a grama, como vai manter uma obra como essa, obra cara?”, questiona ele.

Cruz coloca que há questões técnicas que dificultam o desmonte da estrutura do elevado, pelo seu tamanho, rigidez e forma de construção, o que inviabilizaria essa opção. Já Rostey concorda com Caldana sobre o problema ser o elevado em si e entende que apesar da dificuldade levantada por Cruz, para recuperar de verdade a região e eliminar parte do ruído e poluição, é necessário o desmonte completo.

“Mexer no Minhocão é uma oportunidade para a cidade, desde que se discutam todas as possibilidades. Os desenhos e projeções mais populares que apareceram do parque suspenso até o momento são de perspectivas superiores, de cima, e não de baixo, pois é nesta segunda que está o problema”, diz Rostey.

Caldana complementa que todas essas questões estão no ar, são passíveis de muita discussão. “Tudo vai depender da qualidade do projeto que a Prefeitura colocar agora em discussão, tem de ser muito bem planejado e, sobretudo, insisto, começar do chão, tem que ser um projeto para o chão da cidade e não para o Minhocão em si”.

Economia e ocupação

O coordenador do CMLE indica que a ideia de transformar o elevado em um parque tem inspiração no que se fez em Nova York, num elevado que era só de via férrea e de carga e que já estava desativado. “No caso de São Paulo, essa mudança brusca de transformar uma conexão importante em parque vai ter reflexo de curto prazo direto no trânsito, porque não há outras vias alternativas que coletem esse tráfego e, na verdade, nem meios de transportes alternativos para dar esse escoamento”, enfatiza Maciel.

Para ele, o impacto seria mais negativo no curto prazo, pois a ideia de que a nova condição incentivaria as pessoas a não utilizarem o automóvel, “é uma visão muito tecnocrata do mundo, porque você não sabe os reais motivos pelos quais as pessoas utilizam o Minhocão. E você não tem alternativas de transporte de qualidade que te permitam trocar o carro”.

Quanto ao valor da obra, Cruz coloca que existem diversos caminhos para viabilizar as adaptações necessárias à transformação do elevado em parque, mas que o custo da implantação do parque é inferior ao da demolição da estrutura, segundo estudos. “E certamente a iniciativa privada vai ter espaço para colaborar, além do fato de que os recursos investidos pelo poder público têm formas de retornar aos cofres”, destaca ele.

Uma das formas de arrecadação de recursos permitidas pelo parque, segundo Cruz, é a potencialização do turismo, “e principalmente a qualidade de vida das pessoas que usam o local já como um parque adaptado. Esse público usará o parque e também toda a população da cidade”, acredita ele.

Já Maciel diz que, na medida em que você transforma o local em um parque, um dos possíveis efeitos ao retirar os veículos, é o de recuperar o valor imobiliário. “Se por um lado isso é positivo, por outro, há de se lembrar que essa região é onde se tem uma área de moradia de renda mais baixa, com a elevação do preço isso vai se reverter, então você terá uma possível e eventual expulsão dessa camada da população”, finaliza o coordenador do CMLE.