O Brasil vive uma intensa polarização política, fato manifestado nos últimos processos eleitorais vividos pela nação. Apesar de não vivermos o bipartidarismo, existe uma oposição entre pessoas que se declaram de direita e pessoas que se declaram à esquerda do espectro político. Em cada um desses lados, os integrantes se reconhecem em suas ideias e projetos para o país, mas também de valores do cotidiano.
Uma pesquisa desenvolvida no Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) procura entender a relação entre as escolhas políticas - quanto a identificação de uma pessoa de esquerda ou direita - e valores morais. O pesquisador Gabriel Rego, que integra o Laboratório, conversou com o Na Lupa! sobre a pesquisa.
Ele explica que a análise partiu de um questionário criado nas universidades de Toronto e Kent, no Canadá e na Inglaterra, baseado na teoria do cientista George Lakoff. O Questionário de Política Moral foi aplicado no contexto brasileiro. “Segundo essa teoria, conservadores e liberais têm visões e ideias distintas sobre o papel do Estado na sociedade, sendo que essas visões surgem de noções familiares mais básicas”, explica o pesquisador.
Para aplicar o levantamento no Brasil, foi necessário considerar algumas diferenças. Alguns itens que existiam no questionário usado nos Estados Unidos, no quesito para avaliar a dimensão "pais rigorosos" e a dimensão "pais incentivadores", não poderiam ser usados no contexto brasileiro. “Ao realizarmos o teste aqui no Brasil, observamos que a escala ainda indicava a existência dos dois fatores, porém muitos itens apresentaram comportamento inadequado e problemas”, diz Gabriel Rego.
Além disso, o levantamento trata de conservadores e liberais, termos que são usados nos Estados Unidos, em um sistema eleitoral em que existem apenas dois partidos, diferente da realidade brasileira, marcada pelo multipartidarismo. Nesse sentido, a pesquisa optou por usar os termos esquerda e direita como correlatos aos termos liberal e conservador, respectivamente.
Também foi importante delimitar o conceito de valores morais. Na pesquisa mackenzsita, foi utilizada a teoria dos fundamentos morais, proposta por Haidt e Graham, em que existiriam cinco fundamentos morais básicos: justiça, cuidado, autoridade, lealdade e pureza. A diferença entre esquerda e direita estaria na forma como cada pessoa endossa os fundamentos: pessoas de esquerda se preocupam mais com justiça e cuidado, enquanto os outros três fundamentos são menos relevantes para eles; já os conservadores tendem a endossar todos os cinco fundamentos de forma similar. “Essas diferenças explicam em parte os conflitos morais que frequentemente surgem entre esses grupos políticos”, salienta o pesquisador.
Apesar disso, existem alguns problemas na validade desses pontos. “Em pesquisas futuras, pretendemos investigar quão bem cada um desses modelos teóricos consegue diferenciar pessoas da esquerda e direita, assim como qual é a relação entre esses modelos”, aponta Gabriel Rego.
Com a pesquisa em desenvolvimento, ainda não é possível apontar uma correspondência entre aspectos morais que seriam inatos a cada um dos espectros políticos, ou em que medida moral política se influenciam. “É uma área em pleno crescimento. A meta final é compreender como as pessoas julgam questões morais e, a partir disso, buscar uma maneira efetiva de resolver conflitos e ter discussões mais produtivas no campo social e moral”, diz o mackenzista.
Todavia, o que ficou claro é que os modelos teóricos e questionários aplicados em outros países apresentam problemas quando são aplicados no Brasil
O que também parece indicar na pesquisa é que decisões políticas importantes, ganham ares de escolha moral. “O problema é que as questões relacionadas a políticas públicas e ações sociais são complexas, mas têm sido discutidas em um âmbito moral de certo ou errado. Estudos têm indicado que discussões morais podem gerar reações emocionais pouco adaptativas nesse contexto, como raiva ou nojo”, finaliza Gabriel Rego.
No total, foram coletados dados de mil pessoas de diversas regiões do país. A partir desses números, foram analisados se um questionário e seus itens estão em consonância com o modelo teórico que guiou a construção da escala, ou seja, se realmente medem o que se propuseram a medir, usando técnicas estatísticas para investigar possíveis padrões ou estruturas subjacentes nos dados coletados.
Na Lupa!
Com o objetivo de lançar luz à pesquisa científica desenvolvida no Mackenzie, o Na Lupa! é um novo quadro de divulgação científica mackenzista. Com tradição em inovar e empreender, a pesquisa é uma das preocupações da UPM e das Faculdades do Mackenzie, o que coloca a instituição como uma referência no fazer científico. Toda investigação, apuração e verificação desenvolvida na instituição ganha agora um espaço para divulgação.