11.10.2024
Jogos como "jogo do tigrinho", apostas on-line e as bets têm sido amplamente discutidos no Brasil nos últimos tempos. Na tentativa de garantir uma grana extra, cerca de 30% dos brasileiros entre 16 e 24 anos admitiram já ter apostado, de acordo com uma pesquisa do Datafolha. O que à primeira vista parece um simples joguinho, a um clique de distância para distrair e entreter, pode se transformar em um inimigo que consome pensamentos, renda e causa vício. O termo que se refere a essa condição é ludopatia, ou seja, ludopatas são aqueles que possuem compulsão por jogos de azar. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa condição é reconhecida como uma doença desde 2018 e exige tratamento.
Afinal, como se cria um vício?
Para entender como se forma um vício, Gabriel Rego, psicólogo e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), explica o funcionamento do sistema cerebral que leva ao vício.
No cérebro humano, existe o chamado sistema de recompensa, que é formado por três partes importantes: o córtex pré-frontal, o núcleo accumbens e a área tegmentar, responsável pela produção de neurotransmissores, sendo um deles a dopamina, mais conhecida como o "hormônio do prazer/felicidade". Quando alguém joga e se sente satisfeito, a área tegmentar é acionada e libera dopamina, criando uma sensação de euforia.
As apostas funcionam de maneira a prender o jogador: ora ele ganha, ora perde. Esse mecanismo faz com que a pessoa se prenda à sensação de prazer, pois cada vitória aciona novamente a área tegmentar, causando prazer no organismo. Com o tempo, o corpo vai oscilando as emoções e liberando dopamina de acordo com as vitórias. Após repetidas liberações, o corpo se torna viciado na sensação proporcionada pela dopamina.
Ou seja, na verdade, o corpo se vicia pela sensação que a liberação de dopamina traz e não exatamente pelo jogo em si.
Até onde o vício te leva?
Apesar dos diversos artigos e estudos sobre as consequências das apostas, há quem continue jogando. No entanto, essas apostas estão se tornando prejudiciais. Segundo estudos realizados pela PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda, as apostas representam cerca de 1,98% da renda familiar das classes D e E.
O chanceler do Mackenzie, Robinson Grangeiro, comenta sobre as consequências dessa prática: "A dependência é uma obsessão sutil que vai se instalando na psique humana, tornando a pessoa completamente alheia aos relacionamentos importantes. Falta tempo, energia e recursos para investir nas relações humanas, isolando a pessoa socialmente, tornando-a egoísta e ambiciosa." Ele acrescenta: "Isso produz a falência econômico-financeira e diversos conflitos interpessoais no âmbito familiar."
Legalizar ou não legalizar, eis a questão...
Segundo uma análise técnica sobre o mercado de apostas on-line, produzida pelo Banco Central, os valores mensais das transferências para empresas de jogos de azar variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões entre janeiro e agosto de 2024.
Portanto, embora o uso das plataformas traga malefícios à saúde humana e tem se tornado um problema social, as casas de apostas se tornaram uma fonte de recursos para o mercado financeiro, por meio da injeção de patrocínios em clubes de futebol, influenciadores e até naming-rights de pontos turísticos importantes do Brasil.
Edgar Cândido, economista e docente da UPM, afirma que o setor das apostas on-line contribui com uma movimentação direta de dinheiro, o que impacta na geração de novos empregos, contribui para a arrecadação de imposto. Além disso, ele complementa: "Empresas de tecnologia, serviços de pagamento e marketing digital são apenas alguns dos setores que se beneficiam dessa nova onda de investimentos."
O advogado e docente da UPM, Felipe Assis, explica que é tudo muito novo, e o país ainda está incorporando a chegada das bets. No entanto, como ainda não há de fato leis que assegurem os consumidores deste setor, Assis conta que as empresas são obrigadas a seguirem alguns requisitos.
"A Lei nº 14.790/2023 e as portarias do Ministério da Fazenda, exigem que os donos das bets sejam pessoas jurídicas constituídas de acordo com a lei brasileira, devem ter autorização do Ministério da Fazenda para desenvolver a atividade e devem ter sede em território nacional. Além disso, devem ter políticas internas de prevenção à lavagem de dinheiro e políticas de jogo responsável e prevenção ao jogo patológico, ou seja, deve conscientizar seus usuários sobre os riscos do vício em apostas".
Além disso, Felipe fala sobre a necessidade de elaborar políticas públicas a respeito da conscientização do jogo seguro, bem como melhorar a estrutura de responsabilidade pelos danos causados aos apostadores.
"O Ministério da Fazenda, ligado ao poder executivo federal, publicou uma portaria em 31 de julho de 2024 estabelecendo regras que as casas de apostas deverão seguir a fim de evitar o vício em apostas e promover o jogo responsável. O vício em apostas é um problema de saúde pública e o Sistema Único de Saúde (SUS) acolhe pessoas acometidas por essa questão."
Por fim, Assis comenta que enquanto as leis ainda estão sendo desenvolvidas, para que haja uma reparação do consumir em casos de danos, há a possibilidade de aplicar medidas protetivas apresentadas no Código de Defesa do Consumidor.
"Embora não haja uma legislação específica sobre a responsabilização por danos decorrentes dos vícios em apostas, é possível a responsabilização das casas de apostas quando houver a presença de três elementos: 1) um dano sofrido pelo apostador; 2) um ato ilícito cometido pela casa de apostas; 3) que o dano sofrido esteja diretamente ligado ao ato ilícito da casa de apostas. Seria possível aplicar as regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor, que atribuem ao consumidor uma vulnerabilidade na relação de consumo."
Apesar de ter passado por um período de instabilidades ligadas às casas de apostas, existe hoje toda uma grande preparação e organização para regulamentá-las ao mercado brasileiro, de forma a assegurar o cumprimento das leis brasileiras no mercado das apostas. Ainda assim, mesmo com a regularização, existirá o impacto social e psicológico e fica a dúvida de, até quando, o país conseguirá lidar com esse fenômeno das apostas.