Universidade, Educação e Corrupção

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Carta de Princípios 2012

16.03.2012 Chancelaria

Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes


Um dos temas que tem dominado o cenário brasileiro em anos recentes é a questão da corrupção. O termo tem sido usado pela mídia e populaçãoem geral para se referirem ao desvio de dinheiro público, irregularidadesgraves no emprego de verbas governamentais, desvio de funções para vantagens pessoais por parte de servidores públicos, falseamento da verdade para ganhos ilícitos, acordos subterrâneos e pactos ocultos, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e outras atitudes e atividades ilegais, imorais e injustas.

Diante desse cenário, é importante destacar o entendimento cristão quanto às causas e consequências da corrupção, bem como as atitudes possíveis de combatê-la. Esse é o tema desta Carta de Princípios 2012 da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
 

CORRUPÇÃO: ORIGENS E ASPECTOS 

Definindo a corrupção

O sentido próprio do termo é deterioração ou apodrecimento. Os sentidos secundários derivam dessa ideia original. Toda vez que alguém deixa de cumprir o seu dever estabelecido diante de pessoas, instituições e até mesmo ideais - por interesse próprio ou de terceiros - ocorre a corrupção.

Quase sempre associamos a corrupção aos ambientes estatais. Já em 2005, conforme notícia publicada no Financial Time, o então presidente da Controladoria Geral da União do Brasil, Waldir Pires, afirmava que mais de 20% dos gastos públicos no país são perdidos para a corrupção, o que, somente em 2004, correspondeu a mais de R$ 18,5 bilhões. A mesma reportagem dava conta de que, em auditorias realizadas pela CGU em 741 dos 5.500 municípios brasileiros, escolhidos aleatoriamente, foram descobertas irregularidades graves em 90% deles e algum tido de irregularidade em todos eles.1 Os números atuais da corrupção certamente superam esses dados.

Todavia, a corrupção ocorre também na esfera particular. Há práticas corruptas ao nosso redor, inclusive em nossas próprias ações. Por exemplo: existência de “caixa dois” em empresas, uso de pessoas como “laranjas” em negócios irregulares, compra e venda de produtos pirateados, uso de “softwares” baixados sem permissão dos seus proprietários, pedido e/ou concessão de notas em atividades escolares, com base em amizades ou outra forma de relacionamento. Por isso, o conhecido “jeitinho” brasileiro é, em uma análise objetiva e séria, simplesmente corrupção.
 

Os efeitos da corrupção

A corrupção pode parecer ter um lado bom, especialmente para os aparentemente “beneficiados” por ela, contudo não podemos fechar os olhos para o grande mal que ela traz para a sociedade. A corrupção é fator de injustiça social, porque tira os direitos de muitos, impede o desenvolvimento justo e equânime dos cidadãos, produz um efeito cascata que começa no topo e corrompe a população como um todo, anestesia a consciência, afronta a lei e promove a impunidade. Ela também frustra a motivação dos que buscam as recompensas materiais por meios legítimos de conduta, visto o enriquecimento questionável e rápido de alguns.

Além disso, não raramente, a rede de ações corruptas se vale de atitudes violentas para acobertar suas mazelas. Portanto, nada há que realmente justifique a corrupção.
 

As causas da corrupção

Cremos ser importante refletir sobre as causas da corrupção, pois quando elas são identificadas, há condições de se buscar o remédio adequado.

Geralmente as fragilidades da estrutura político-jurídico-financeira são responsabilizadas como a causa da corrupção estatal. O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, disse em pronunciamento durante um evento em 2011 que a corrupção no país decorre principalmente do financiamento privado de campanhas e de partidos, do sistema eleitoral, dos meandros da elaboração do orçamento público e impunidade garantida pelas leis processuais penais.2

Embora existam causas externas para a corrupção, não se pode negar que o problema reside, em última análise, no coração das pessoas. A fé reformada vê o próprio coração dos homens como a origem primária da corrupção. A Bíblia afirma que não há sequer uma pessoa justa neste mundo. “Todos pecarame carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Jesus Cristo disse que é do coração das pessoas que procedem “maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mateus 15.19-20).

Na análise feita pela sociedade, é possível perceber a insuficiência de éticas humanistas reducionistas, que analisam apenas aspectos sociológicos e políticos da corrupção. Como resultado, as propostas de “redenção” contemplam apenas medidas repressivas, melhorias na educação, uma melhor legislação, as propostas de determinado partido político ou candidato.

Tais medidas, mesmo sendo necessárias e boas, deixam de contemplar a dimensão pessoal do problema: egoísmo, maldade, avareza, inveja e cobiça.

O protestantismo reformado prega uma conversão interior dos governantes e dos governados a Deus e conclama que todos se arrependam do mal e pratiquem obras de justiça.
 

Por que a corrupção continua e se fortalece? 

Podemos pensar em várias respostas para essa pertinente indagação. A primeira é a sua banalização. Existe hoje maior divulgação dos casos de corrupção e da impunidade dos corruptos que no passado. Ao que parece, isso tem levado a sociedade a certo grau de indiferença quanto à sua gravidade.

Como consequência prática, a luta contra esse mal chega a parecer um trabalho inútil.

Em segundo, existe uma sensação pessoal de culpa, a qual leva à cumplicidade e, portanto, ao silêncio. Apesar de as pessoas condenarem os políticos e empresários corruptos, muitas delas também praticam a corrupção na vida pessoal, como, por exemplo, transgredindo as leis dos direitos autorais, praticando o suborno, driblando a legislação tributária, entre outros.

Pelas causas acima, a corrupção acaba sendo vista e consagrada como “um mal sem remédio”. Isso favorece sua prática, alimenta os males que ela gera, conserva a impunidade e fomenta a permanência desse nocivo tipo de atividade. Nas palavras de João Calvino, “a impunidade é a mãe da libertinagem”.3
 

O combate à corrupção

Apesar de estar tão profundamente enraizada no ser humano e na sociedade, a corrupção tem sido combatida em todas as épocas. Nas palavras de Celso Barroso, “tão antiga quanto à corrupção é a luta contra ela; em toda parte se dá valor à integridade, e sempre se deu. Podemos desrespeitar os valores morais, porém não chegamos a negá-los”.4

Segundo a visão cristã de mundo, a razão pela qual os seres humanos não conseguem conviver tranquila e passivamente com a corrupção é porque foram criados à imagem de Deus e porque Deus ainda age neste mundo. 

Essa ação de Deus no mundo em geral é chamada de graça comum (concedida a todos). Segundo esse conceito, Deus abençoa toda a humanidade com virtudes e qualidades, independentemente das convicções religiosas das pessoas. Além disso, Deus instituiu os governos não somente para promover a justiça e o bem comum, mas também para punir os malfeitores e os corruptos (Romanos 13). 

No Brasil, os principais órgãos responsáveis pelo combate à corrupção estatal, em todos os aspectos, são o Tribunal de Contas da União (TCU) - principal órgão de fiscalização do dinheiro e dos bens públicos, e a Controladoria Geral da União (CGU), órgão que responde pelo Brasil perante a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e, com exposição recente mais ampla, o Conselho Nacional de Justiça (CJN), que aflorou o fato de que, infelizmente, nem mesmo os nossos juízes estão imunes à corrupção e seus efeitos danosos.

O combate à corrupção, todavia, cabe também à população. A sociedade deve agir e cobrar medidas públicas contra a corrupção. É preciso reafirmar o repúdio a essa prática, enfatizar a necessidade de transparência nas contas públicas, apoiar as iniciativas civis no combate aos desmandos e promover a ética no trato das questões públicas. Na esfera eclesiástica, em que deveria estar o exemplo, é preciso também repudiar as práticas financeiras desonestas de muitas igrejas.

Diante desse necessário combate, encontramos o papel das universidades confessionais.
 

O papel da universidade confessional

Uma instituição de ensino que se pauta pelos princípios da visão cristã de mundo poderá contribuir de diversas maneiras para que a corrupção seja pelo menos reduzida. Com relação às causas externas, deve incluir o ensino e a transmissão de valores cristãos, tais como: honestidade, integridade, verdade, justiça e amor ao próximo. Somos responsáveis por uma boa mordomia dos recursos que Deus nos confiou.

Esse papel de integração da ética à academia é algo que vem sendo reconhecido até nas instituições de ensino superior sem características confessionais, por razões meramente realistas e práticas. Uma reitora, no contexto da crise europeia, que desde 2008 assola o velho mundo, chamou a atenção das universidades para a falta de ética e a aplicação deficiente de práticas saudáveis de negócios. Ela declarou que todos os operadores do sistema financeiro frequentaram os bancos universitários e provocou o incômodo questionamento: será que não falta maior ênfase na ética de negócios, em nossos currículos? Segundo a reitora, “as instituições têm que assumir a sua quota de ensinamento pela vivência de valores que devem reger uma sociedade de bem”.

Nesse caminho, como instituição confessional, devemos ter um interesse redobrado sobre o entrelaçamento da ética com a formação acadêmica, como uma das armas contra a corrupção de nossa sociedade.

Com relação à causa interna, que é a corrupção da mente e do coração humanos, a instituição confessional cristã deve sempre lembrar aos seus alunos que somos responsáveis por nossos atos e que não podemos responsabilizar a sociedade, o governo e os outros pelos nossos desvios de conduta. Por fim, deve anunciar, sempre respeitando a consciência de todos, que Deus, em Jesus Cristo, nos oferece perdão pelos nossos desvios e uma mudança interior, dando-nos uma nova orientação e esperança na vida, tendo como alvo amar ao próximo e a Deus. Cultivamos, assim, umaexpectativa realista de mudança sabendo que o nosso trabalho não é vão diante de Deus.
 

Conclusão 

O cristianismo reconhece que não é possível a existência de uma sociedade que seja completamente isenta da corrupção. A nossa esperança é o mundo vindouro, escatológico, a ser inaugurado com o retorno de Jesus Cristo, quando as causas da corrupção serão removidas para sempre. O que não significa que não devamos, com todas as nossas forças, lutar para que os valores do Reino de Deus sejam implantados aqui neste mundo, por meio de uma boa educação integral, que contemple não somente a formação intelectual e profissional, como também a formação de cidadãos éticos e compromissados com os valores morais que servem de base para famílias e sociedades sólidas e justas.
 

Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

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1 Cf. Financial Times, 25 de abril de 2005.

www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2011/noticia22511.asp (acesso em 23/01/2012). 

3 CALVINO, João. Exposição de Efésios. São Paulo: Parakletos, 1998, p.186.

4 LEITE, Celso Barroso. Sociologia da Corrupção. Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p. 16

5 “As Universidades Têm Um Papel em Minimizar os Efeitos da Crise”, artigo/entrevista de Madalena Queirós, com a Reitora da Universidade de Aveiro, Helena Nazaré, de 17.02.2009, disponível em: economico.sapo.pt/noticias/as-universidades-tem-um-papel-em-minimizar--os-efeitos-da-crise_3843.html , acessado em 22.04.2009.