Universidade, relacionamento e mídias digitais

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Carta de Princípios 2014

20.04.2014 Chancelaria

Rev. Dr. Davi Charles Gomes.


Smartphones, tablets, laptops, celulares são equipamentos que, ao lado de Facebook, WhatsApp, Blog, Instagram, YouTube, Twiter entre outras mídias digitais permeiam e definem o cotidiano de um número incontável de pessoas ao redor do mundo. Aliás, esses facilitadores da tecnologia atual trouxeram transformações sociais marcantes, pois modificaram os processos que abrangem os relacionamentos interpessoais. Familiares, amigos, colegas, pessoas com quem travamos conversas cotidianas para tratar dos mais variados assuntos, empregam as mídias digitais como instrumento de convivência. Desse modo, permitem que a comunicação supere as barreiras do distanciamento e, em certa medida, do próprio uso do tempo.

Os relacionamentos interpessoais são tão antigos como a própria existência do ser humano. Ademais, precisamos de comunicação e convívio e, por isso, quão poucos se decidem pelo isolamento voluntário. Nesse afã, o ambiente escolar é essencialmente um fomentador de relações pessoais e comunicação mútua. A Universidade Presbiteriana Mackenzie, por sua vez, ao fazer valer sua confessionalidade promove a consolidação da capacidade relacional do ser humano. Com efeito, a passagem pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, certamente, deixará um legado de memorias acerca das diversas experiências relacionais.

Portanto a pauta da Universidade exige discussões que estimulam a questão da coexistência e a possibilidade de torná-la harmoniosa. Por isso, a Chancelaria da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em consonância com suas atribuições, valores e princípios confessionais, entrega aos seus alunos e alunas a Carta de Princípios de 2014. Seu propósito, afinal, é considerar os processos elementares dos relacionamentos interpessoais nesse momento em que as mídias digitais e sociais promovem o estreitamento das distâncias e otimizam o tempo das interações. Ao mesmo tempo, apontam para certas ameaças iminentes, a saber, a exposição da imagem do outro, a invasão de privacidade, etc. No final, abarcam questões sobre verdade e mentira. Diante disto, para discutir os efeitos das mídias digitais, iniciamos com um exame da origem e a finalidade dos relacionamentos interpessoais.
 

A origem e a finalidade dos relacionamentos interpessoais

Do ponto de vista da sociologia, grosso modo, o ser humano é um ser gregário. Procura agregar-se e viver em sociedade. No que tange a antropologia, o ser humano deve ser examinado em sua totalidade e dentro de toda a sua vivencia cotidiana. Desse modo, a antropologia propõe compreender a humanidade segundo seus relacionamentos existenciais. Sob a perspectiva da antropologia bíblica, a criação humana conforme à imagem de Deus implica que fomos concebidos e graciosamente recebemos atributos, entre os quais está a aptidão relacional. Assim, os seres humanos são chamados para relacionamentos. Aliás, a capacidade relacional preconiza, primeiramente, comunhão com o seu Criador, depois com as pessoas e com o mundo criado. Evidentemente, isso abrange vida religiosa, casamento, família, amizades, cuidados com o meio ambiente. São mandatos divinos de ordem espiritual, social e cultural. 

A antropologia bíblica, por conseguinte, vem acompanhada de uma compreensão mais ampla do ser humano, e se propõe a compreendê-lo incluindo a sua condição de dependência original, bem como a presença maléfica do pecado, e a esperança de reconciliação e restauração em Jesus Cristo. A Queda modificou a condição humana. Agora, as inclinações do coração humano não são para fazer o bem; antes, seus desejos e aspirações divergem da vontade de seu Criador. Diante disto, o Senhor providenciou preceitos basilares para regular a convivência e a coexistência com Ele e, semelhantemente, entre os homens (Êxodo 20. 1-17) e a própria criação. Finalmente, o propósito criacional das interações humanas visa à gloria de seu Criador, bem como o cumprimento de seus benéficos mandamentos.

Evidentemente, devido ao ato criacional, as diretrizes que regem o convívio humano são perenes. Prescrevem e ordenam atitudes e valores que, quando cultivados, cumprem o desígnio divino. Entre as normas de conduta insere-se uma ordenação que é identificada como o Nono Mandamento: "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo". (Êxodo 20. 16, NTLH).

A finalidade desse mandamento é que "não prejudiquemos o nome de alguém ou com calúnias e incriminações falsas, ou mentindo façamos dano a seu patrimônio; enfim, não façamos mal a quem quer que seja, pelo desenfreamento da maledicência e da mordacidade" (Calvino, 2006, p. 169). Afinal, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, em consonância com os ideais de seus fundadores, e tendo o apoio de seu Associado Vitalício, a Igreja Presbiteriana do Brasil, assevera que o cumprimento de sua confessionalidade cristã-reformada requer o zelo na observância dos fundamentos bíblicos do Nono Mandamento. Para tanto, se faz necessária definir o conceito de verdade e as diretrizes para ser conservada e promovida nos relacionamentos.
 

Os relacionamentos interpessoais permeados pela verdade

No convívio saudável e harmonioso, bem como condizente com a confessionalidade cristã, a verdade é um valor estimável e premente. Conservar e promover a verdade, e o que é preconizado nos símbolos de fé reformados (Catecismo Maior, pergunta 144). Deus é verdadeiro e, por conseguinte, não compactua ou tolera a mentira. De fato, existe uma condição diametralmente oposta entre verdade e mentira.

Então acobertar a mentira ou omitir a verdade são ações temerárias, visto que provocam a justiça de Deus: "Do céu Deus revela a sua ira contra todos os pecados e todas as maldades das pessoas que, por meio das suas mas ações, não deixam que os outros conheçam a verdade a respeito de Deus". (Romanos 1. 18, NTLH)

Neste ponto, a confessionalidade cristã assegura que a verdade existe, e absoluta e pode ser humanamente conhecida. A verdade, todavia, não é auto-existente. Nem mesmo e uma mera padronização humana, uma convenção social, ou ainda uma decisão arbitrária deste ou daquele grupo dominante. A verdade existe porque Deus existe. A verdade nos foi revelada e assumiu pessoalidade e personalidade em Cristo Jesus: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Joao 14. 6, NTLH). A verdade e pessoalmente acessível. Caso contrário, teríamos que concordar com o pensamento de F. Nietzsche (1844-1900) e asseverar ao seu lado que "Deus está morto". Se não há absolutos não há verdade. Além do mais, fazendo uma paráfrase do texto de Fiódor Dostoievski (1821-1881), e possível argumentar que "se Deus não existe tudo e permitido". Ademais, foi de tal modo que Nietzsche, um homem além de seu tempo, subsidiou as matrizes do pensamento relativista pós-moderno. Porem, não é difícil perceber o seu deslize filosófico, porque um mundo sem verdade se torna insustentável e incoerente. Afinal, quem deseja manter um relacionamento onde a mentira prevalece? Como viver sem conhecer a verdade? Seria um mundo sombrio e desesperador.

Relacionamentos interpessoais, portanto, não podem prescindir da verdade. Com efeito, Paulo adverte que "deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros" (Efésios 4. 25, ARA). No entanto, ainda é preciso questionar se, em nome da verdade, cabe o direito de expor a imagem do próximo. Dizer e manter a verdade requer que a opinião sobre o outro seja exposta para muitas outras pessoas? É direito legítimo, em qualquer situação, tornar públicas as falhas e faltas das outras pessoas? Podemos emitir um julgamento sobre os outros sem lhes conceder o direito de uma justa defesa e por meios legais? O anúncio da verdade exclui a privacidade?

Em resposta, preocupa-nos o fato de certos relacionamentos que preservam a verdade, mas que ao mesmo tempo prescindem do zelo para como ser humano. Assim, se faz necessária dizer a verdade sem abstrair o cuidado com o próximo, assunto que discorremos a seguir.

0 caráter ético e o cuidado com o próximo nos relacionamentos interpessoais

Preservar e dizer a verdade deve vir acompanhado com o cuidado para com o outro. E, diga-se de passagem, isso não é paradoxal. Acerca desse assunto, a confessionalidade bíblico-reformada oferece cabal contribuição, uma vez que assegura a afirmação da verdade, porem associada intrinsecamente ao amor, à graça e a compaixão. Dito de outro modo, um compromisso com a verdade não exclui o amor para com o próximo. Agindo deste modo, obtemos a maturidade necessária e desejável (Efésios 4. 15).

Mantendo a veracidade de nossa fala e a certeza de que toda verdade deve prevalecer, o nosso Criador demanda que tenhamos ações de clemência diante das fraquezas do próximo. Não é correto divulgar os erros dos outros, agindo precipitadamente. A dor e o sofrimento de nosso semelhante não pode ser motivo de escárnio, mas de tristeza para nos mesmos. Na verdade, é preciso demonstrar alteridade para com o próximo. E preciso ouvir o que nos diz o sábio Senhor: "Quem perdoa uma ofensa mostra que tem amor, mas quem fica lembrando o assunto estraga a amizade" (Provérbios 17.9, NTLH). Por semelhante modo, o apóstolo Pedro destaca: "Acima de tudo, amem sinceramente uns aos outros, pois o amor perdoa muitos pecados" (1 Pedro 4. 8, NTLH). 

A confessionalidade cristã reconhece o preço pago para o perdão dos pecados daqueles que são chamados em Jesus Cristo. Esse modelo deve reger as relações interpessoais. Por isso, o cuidado mútuo implica manter a boa reputação do próximo e defendê-la em sua inocência, a saber: "receber prontamente boas informações a seu respeito e rejeitar as que são maldizentes" (Catecismo Maior, pergunta 144).

Diante disto, e uma atitude inadvertida e ingênua dar ouvidos a tudo que se diz. Não podemos guardar no coração as palavras de maledicência (Eclesiastes 7. 21). Ser comedido no falar é uma afirmação de maturidade. Do mesmo modo, isso serve para as ações de ouvir e ver. Em suma, a moderação livra do sofrimento: "Quem toma cuidado com o que diz está protegendo a sua própria vida, mas quem fala demais destrói a si mesmo" (Provérbios 13. 3 NTLH).

Portanto, esses deveres absolutamente definem nossa coexistência pacífica e harmoniosa. Nesse afã, a Universidade Presbiteriana Mackenzie considera a urgência da franca e indispensável discussão acerca dos efeitos que as mídias digitais produzem na manutenção e durabilidade dos bons relacionamentos. Devemos averiguar se somos capazes de promover a verdade e garantir o zelo pelo próximo no uso das mídias digitais. Tendo essa pergunta norteadora, discorremos sobre seus efeitos na utilização das tecnologias de otimização dos relacionamentos sociais. 

Verdade. ética. cuidado com o próximo e os relacionamentos por meio das mídias digitais

A sabedoria bíblica protesta contra o uso indevido de quaisquer dádivas que decorrem da criação divina, e do próprio progresso humano em suas atribuições de subjugar a terra (Gênesis 1. 28). A concepção humana veio acompanhada da ordenação de fazer bom uso dos recursos disponibilizados e adquiridos. Fato que se aplica a tudo que existe, inclusive as mídias digitais. Como componente da criação divina, ao ser humano foi entregue o dever e a benesse de fazer com que a criação se desenvolva (Gênesis 2. 15). Nesse processo de abertura cultural, a tecnologia digital e um poderoso e eficaz aliado. Não obstante, isso faz jus a condição humana como representante de Deus na criação. Todavia, os efeitos da Queda modificaram a aptidão das decisões humanas sobre o bem e o mal, as quais sempre estão diante de nós. Somos inclinados para, naturalmente, escolher o que é mal (Romanos 7. 15-25).

Destarte, podemos semear nosso próprio sofrimento, visto que “quem procura o bem e respeitado, mas quem busca o mal será vítima do mal" (Provérbios 11. 27, NTLH).

Sendo assim, o emprego inadequado das mídias digitais tem resultados imediatos e notórios. Por exemplo, o seu uso imprudente coloca o usuário sob risco iminente de que seus dados pessoais e imagem caiam nas mãos de pessoas mal-intencionadas. E inegável que o uso descuidado das mídias digitais o expõe publicamente e o toma alvo da ação de oportunistas e golpistas.

A prudência no uso nas mídias digitais tem seu caráter de urgência, porque "quando o tolo fala, ele causa a sua desgraça, pois acaba caindo na armadilha das suas próprias palavras". (Provérbios 18. 7, NTLH).

O uso da mentira ou da difamação tem efeitos retroativos sobre o seu próprio praticante, pois "quem 'vive pensando e dizendo coisas mas não pode esperar nada de bom, mas só a desgraça" (Provérbios 17. 20, NTLH). É um circulo vicioso que faz propagar a maldade e a violência, a ferocidade das palavras: "Os maus tem fome do mal; eles não tem pena de ninguém" (Provérbios 21. 10, NTLH). Então, "se você não quer se meter em dificuldades, tome cuidado com o que diz" (Provérbios 21. 23, NTLH). Nada obstante, mesmo quando outra pessoa insiste em fazer o que é mal e, para tanto usa as mídias digitais inadequadamente, não retribua; antes, "não seja vingativo; confie em Deus, o SENHOR, e ele fará justiça a você" (Provérbios 20. 22).

A Chancelaria da Universidade Presbiteriana Mackenzie valoriza e promove o uso consciente, veraz e compassivo das mídias digitais. Reconhecemos, pois, o seu papel benéfico inclusive na educação e na formação universitária. Inspiramos, também, os bons relacionamentos e, sinceramente, almejamos que as amizades constituídas na Universidade Presbiteriana Mackenzie sejam duradouras, e adequadas para expandir a verdade e a complacência.

Para tanto, certificamos e advogamos que "as palavras bondosas são como o mel: doces para o paladar e boas para a saúde." (Provérbios 16. 24, NTLH).

Concluímos a Carta de Princípios de 2014 ratificando a confessionalidade reformada da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com as palavras sugestivas de João Calvino (1509-1564) sobre o assunto arrazoado nesta Carta. Observa-se em seu texto que e preciso empenho, ate onde nos e possível chegar, para manter o altruísmo e afugentar a maldade do ouvir e do falar. Em suma, e cuidando de nós mesmos que seremos capazes de zelar pelo próximo.

Portanto, se há em nós o verdadeiro temor e amor de Deus, diligenciemos, até onde for viável e conveniente, e quanto o admite a caridade, para que ofereçamos, seja a língua, sejam os ouvidos, a expressões maledicentes e sarcásticas, e não abandonemos, sem razão, a mente a sinuosas suspeitas; pelo contrario, fieis interpretes das palavras e atos de todos, conservemos-lhes sinceramente ilibada a honorabilidade, tanto no juízo, quanto nos ouvidos, quanto na língua. (Calvino, 2006, p. 171)

Texto produzido pela Capelania Universitária Presbiteriana Mackenzie, sob a idealização e direção do Chanceler,

 

Rev. Dr. Davi Charles Gomes.
 

Colaboradores:
Rev. Ms. Geraldo Henrique Barbosa
Rev. Ms. Gildasio J. B. dos Reis
Rev. Dr. Jose Carlos Piacente Junior