20.04.2013 Chancelaria
Introdução
A violência está em toda parte. Não podemos passar um dia sem ouvir uma notícia sobre atos violentos nos meios de comunicação. Entretanto, mesmo ocorrendo em nosso país, em nossa cidade, em nosso bairro, a questão pode ficar um pouco distanciada e acadêmica, até que sejamos nós mesmos vítimas da violência, ou até que alguém próximo a nós sofra algum tipo de agressão. Assaltos e sequestros são cada vez mais comuns, deixando de ser um pesadelo apenas para os ricos. Uma estatística recente, na cidade de São Paulo, indica que uma em cada duas pessoas já foi assaltada.
O Dicionário Houaiss define violência como a "ação ou efeito de violar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato de violência, crueldade e força." No aspecto jurídico, é descrita como "constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se a vontade dos outros; coerção." Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como "a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis".
De que formas a violência se manifesta?
Seria uma tarefa interminável listar as maneiras pelas quais a violência acima definida se manifesta. O conceito é muito amplo e inclui atentados à vida, propriedade, liberdade de consciência, locomoção e de religião. A lei brasileira tipifica formas de violência como assassinato, sequestro, roubo, estupro e outros crimes contra a pessoa ou contra a propriedade.
Aqui incluímos a agressão física resultante de preconceito racial e de gênero, a violência nas escolas e o bullying, o assédio moral e sexual no trabalho, a violência contra as mulheres - inclusa a violência doméstica - a violência contra crianças e idosos, e mesmo a violência do trânsito nas grandes cidades.
Não poderíamos deixar de mencionar também as guerras e os crimes de guerra que têm acompanhado a humanidade desde tempos imemoriais. E por que não incluir também o aborto, que é responsável pela morte de milhões de seres humanos anualmente?
A violência é um problema moderno restrito a um grupo?
Nenhuma classe social, gênero, raça ou cultura estão isentos da manifestação de atos violentos em todas as formas descritas acima. Temos registro de atos violentos desde as culturas mais antigas até as mais modernas e progressivas em nossos dias. Temos a tendência de sempre olhar o nosso tempo como o pior que já existiu, mas basta um olhar breve pela história para verificarmos que a violência, a crueldade e a impiedade sempre acompanharam o ser humano.
Um dos registros mais antigos de violência é o assassinato de Abel por seu irmão Caim, episódio registrado na Bíblia e que remonta a milhares de anos (Gênesis 4).
Em nossos dias, mesmo que se considere que as periferias das grandes cidades sejam os locais de maior violência, onde os índices de pobreza e de falta de acesso à educação são maiores, não se pode ignorar a manifestação da violência entre os ricos, educados e nobres, bem como nos países mais modernos e desenvolvidos financeiramente.
Por que há pessoas tão violentas?
Há várias teorias sobre as causas da violência. Quase todas elas têm em comum o conceito de que o ser humano é, intrinsecamente, bom e que se torna violento devido a fatores e influências externas. Entre estes, a pobreza, a desigualdade social, o baixo acesso à justiça estatal, a influência do meio e da criação familiar, os grupos sociais a que se pertence, a falta de acesso à educação, além da herança genética. Aqui podemos lembrar também que a sensação de poder, segurança e impunidade de pessoas muito ricas por vezes conduz ao uso da violência.
Uma visão cristã acerca da origem da violência não descarta tais fatores, mas aponta como a causa mais profunda da violência a corrupção do coração humano. Nas palavras de Jesus Cristo,
“Do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez” (Marcos 7.21-22).
De acordo com Tiago, discípulo de Jesus Cristo, as guerras – uma das mais fortes manifestações da violência – têm origem no coração humano:
“De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês? Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês?” (Tiago 4.1).
A violência se abriga no coração de cada pessoa e infelizmente pode ser despertada em diferentes graus por diferentes motivos. Pela graça de Deus, fatores externos como o temor das consequências, por exemplo, inibem tais manifestações nas pessoas, de forma que normalmente não somos tão violentos como teoricamente poderíamos ser.
Como já dissemos, a corrupção do coração humano como causa primária não exclui as causas secundárias, mas nos ajuda a entender a origem do problema e a diagnosticá-lo mais precisamente.
Devemos sempre ser contra a violência?
A violência deve ser combatida sempre, em todas as suas formas, pois representa um atentado à vida, dignidade e liberdade humanas. Algumas ideologias baseadas numa visão de mundo materialista e determinista terminaram logicamente no uso da violência como meio para alcançar determinados fins, como o fascismo, o nazismo e governos totalitários. Da mesma forma, conceitos errados sobre Deus e a religião têm sido usados para promover o fundamentalismo religioso e guerras “santas” através dos tempos.
Há ainda a violência contra a religião. Pesquisas recentes identificam o Cristianismo como a religião mais perseguida no mundo, com cerca de 200 milhões de cristãos submetidos a algum tipo de violência. Todas estas manifestações da violência devem ser combatidas pelos meios legais e legítimos.
Qual o papel do Estado no combate à violência?
A violência, em todas as suas formas, produz danos pessoais, psicológicos e morais, muitos deles irreparáveis. Além disto, traz pesados encargos financeiros ao Estado para manter o aparato policial, o sistema carcerário e o processo judiciário, afora o sistema de saúde, pensões e benefícios às vítimas da violência e até para familiares de detentos que a praticaram.
Do ponto de vista cristão a violência está intrinsecamente instalada no coração humano, como a sua universalidade bem o atesta. Todavia cremos que podemos diminui-la e minimizar seus efeitos maléficos tratando as causas externas. Aqui entra a figura do Estado, que, de acordo com a Bíblia, tem um papel importante no combate e no controle da violência:
“Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. A autoridade é serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13.3-4).
Como agentes da justiça, divinamente ordenados para este fim, os governos devem tomar medidas visando a diminuir a violência. Isto incluiria aprovar e fazer cumprir leis justas, melhor policiamento, melhores condições carcerárias, aprimoramento do sistema judiciário, combate às drogas e ao tráfico de armas, implantação de projetos sociais e, destacadamente, o acesso à educação, que resultaria em melhor desenvolvimento social e econômico dos cidadãos.
Diante do grande desafio que a violência representa para o Estado, os cristãos deveriam se lembrar da orientação bíblica para que intercedam em oração pelas autoridades governamentais, pelo ideal de uma vida “tranquila e sossegada, em toda a piedade e honestidade” – isto é, sem violência (1Tm 2.2).
As medidas oriundas do Estado deveriam ser acompanhadas de uma mudança interior que produza um novo apreço pela vida e pela dignidade do próximo. E aqui é que entra a educação confessional.
Qual o papel da educação confessional cristã?
A educação confessional cristã é aquela que se processa a partir de valores e princípios éticos, morais e espirituais que têm como fundamento a revelação de Deus na Bíblia. É disto que fala o Artigo III do Estatuto da nossa Universidade:
“A Universidade Presbiteriana Mackenzie tem como característica essencial a adoção de um Código de Ética baseado nos ditames da consciência e do bem, que reflitam os valores morais exarados nas Escrituras Sagradas, voltados para exercício crítico da cidadania”.
Estes valores morais mencionados são o resultado da compreensão cristã de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus e que, portanto, tem dignidade e valor intrínsecos. Os direitos humanos fundamentais são resultantes desta imagem e semelhança e da nossa crença de que o certo e o errado são realidades externas a nós e que o valor da vida humana não é algo relativo. Além disto, cremos na realidade do juízo de Deus, que um dia haverá de estabelecer a plena justiça no mundo.Veja por exemplo http://www.telegraph.co.uk/news/religion/9762745/Christianity-close-to-extinction-in-Middle-East.html
Na visão cristã de mundo não cabe ao indivíduo ações violentas como reações à violência. A manutenção da lei e da ordem não pertence a um grupo ilegal de “vigilantes” ou “justiceiros” que massacram indiscriminadamente, sob a cobertura de estarem punindo os criminosos. Cidadãos conscientes não devem apoiar as ações fora da lei, por mais convenientes que elas pareçam e por mais criminosos que sejam os massacrados. O cristão não se gloria na guerra de quadrilhas, nem deve passar pelos seus lábios a famosa frase: “ladrão bom é ladrão morto”. Para o cristão, as autoridades estabelecidas são ministros de Deus para aplicação dos princípios de justiça e proteção dos cidadãos.
Uma educação confessional cristã deve integrar os valores morais bíblicos com o processo educacional de forma a preparar para o mundo pessoas que não somente possam contribuir nas suas áreas de expertise como também fazer a diferença num mundo marcado pela violência. Aqui o papel do professor em sala de aula e a progressiva conscientização do aluno são decisivos.
Conclusão
Podemos começar a diminuir a violência do mundo em nosso próprio ambiente escolar e universitário, enfrentando e combatendo o bullying, o preconceito racial e social, as agressões verbais e físicas e qualquer outra manifestação, aberta ou velada, da violência em nosso meio. A atitude dos estudantes é crucial para isto.
Mas, acima de tudo, busquemos em Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, as forças para perdoar, amar e servir ao próximo. Somente corações em paz podem evitar a guerra, refutando o uso da violência. Disse Jesus:
“Deixo- lhes a paz; a minha paz lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o seu coração, nem tenham medo” (João 14.27).
Rev. Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
A Chancelaria agradece a todos os que contribuíram para a elaboração da Carta de Princípios 2013 com suas sugestões.