Pesquisas e reportagens já esclareceram razoavelmente o processo de produção do tipo mais básico das fake news contemporâneas. A motivação é sobretudo econômica e a publicação envolve autores ocultos que apostam na mentira e no sensacionalismo para gerar cliques e, consequentemente, remuneração pela exibição de anúncios em seus sites, cujos responsáveis são dificilmente rastreáveis.
O sucesso desse negócio, contudo, depende da disseminação rápida e exponencial do conteúdo, facilitada pelas redes sociais e aplicativos de mensagens. Mas qual é o combustível dessa corrente?
O que parece impulsionar organicamente uma fake news são as emoções despertadas por assuntos que mexem com nossas crenças e convicções. Alguns exemplos recentes indicam que tendemos a ser menos céticos e cautelosos diante de “notícias” que vão ao encontro de nossos posicionamentos ideológicos ou que confirmem teses simpáticas à nossa forma de ver o mundo.
Foi esse o pressuposto dos garotos da cidade de Veles (Macedônia) que inundaram a internet de fake news durante a última campanha presidencial dos Estados Unidos. Um deles confidenciou a uma equipe brasileira de TV que, quando se deu conta que o público simpático a Donald Trump era mais engajado na disseminação desse tipo de conteúdo, passou a publicar apenas textos que supostamente beneficiavam o então candidato do Partido Republicano.
Era a isca para motivar quem buscava exaltar Trump ou apenas atacar seus adversários políticos, mesmo com informações que beiravam um humor absurdo, como o post que relatava o suposto apoio do Papa Francisco ao magnata americano, ou a “revelação” de que Michelle Obama era, na verdade, um homem.
Outro caso, mais próximo, foi o do suposto ranking produzido por pesquisadores da USP que elencava os sites campeões de fake news no Brasil. Dezenas de blogs de notícias e jornalistas compartilharam o conteúdo desde o início de 2018, muitos deles com a intenção genuína de combater o problema que, na verdade, estavam inadvertidamente alimentando.
Após ficar esclarecido que tudo não passava de uma sucessão de mal-entendidos e distorções, muitos admitiram constrangidos que haviam disseminado fake news no afã de combatê-las.
O suposto estudo não havia sido produzido por ninguém da USP, nem sequer era um ranking, e acabou virando “notícia” a partir de um desastrado post de uma entidade de classe em uma rede social. A amplitude da confusão levou inclusive o Tribunal Superior Eleitoral a pedir apuração do caso.
A ironia está justamente no fato de a boa-fé não garantir nada nessa lógica. Dada a dificuldade de se controlar a produção das fake news, a solução talvez passe por desconfiarmos mais de nós mesmos.
Diogo Rais
Professor de Direito Eleitoral na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e coordenador do grupo MackEleições.
Gustavo Hennemann
Jornalista e graduando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, integrante do grupo MackEleições.