Fake News e o Incidente de Gleiwitz

30.09.201911h13 Flávio de Leão Bastos Pereira

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Fake News e o Incidente de Gleiwitz

Fake News e o Incidente de Gleiwitz


 
Rememorou-se no último dia 1º de setembro de 2019 oitenta anos o início da segunda guerra mundial. Os debates até hoje travados pelos especialistas em pesquisas e estudos sobre o início do maior evento histórico-político-militar da história da humanidade e que causou a morte de entre 55 e 80 milhões de vítimas fatais (até hoje não se sabe número exato de vítimas e, provavelmente, jamais se saberá), pouco se sabe, envolve de forma predominante, dentre vários aspectos, detalhes que guardam origem exatamente na utilização de notícias falsas que viriam a justificar o lançamento da guerra relâmpago (blitzkrieg) contra a Polônia.  


Os fatos ocorreram na então cidade fronteiriça e alemã de Gleiwitz (região da Silésia) – atualmente uma cidade polonesa chamada Gliwice - na qual situada a rádio e emissora alemã de Gleiwitz. Nela, uma encenação iria gerar a propagação da falsa notícia de que forças polonesas teriam se apossado da citada emissora, assassinado um cidadão alemão e, assim, gerando uma fake news que exigia da Alemanha sob o III Reich, então, uma reação.
Tratou-se, na realidade, de uma produção “cinematográfica” talvez a mais famosa fake news do século XX, intencionalmente articulada para se tornar conhecida em todo o mundo.


À época, a rádio de Gleiwitz, hoje um museu-memorial (Gleiwitz Radio Station Museum), transmitia sua programação de rotina já tarde da noite de 31 de agosto de 1939, quando a mesma foi subitamente interrompida pela transmissão de inflamadas vozes alemãs afirmando que forças polonesas estavam prestes a invadir a rádio e acidade de Gleiwitz (alemã, à época). Repentinamente a transmissão para toda a região foi interrompida; retomada momentos após, já com vozes polonesas convocando os habitantes de origem polonesa que lá viviam a pegar em armas e agir contra Hitler. Além disso, um corpo foi encontrado no local, alegadamente de uma “vítima” alemã. Teria sido este o primeiro de três ataques ao território alemão, por poloneses (os outros dois foram os falsos “ataques” a um alojamento florestal na localidade de Pitschen - atual Byczyna, Polônia; e à estação aduaneira alemã de Hochlinden, atual Stodoły, também na Polônia).


Sabe-se hoje que a descrita encenação se constituiu numa operação da SS nazista comandada por Alfred Naujocks, inclusive sendo tema de filme de 1961 dirigido peloalemão Gerhard Klein e sob o título Der Fall Gleiwitz (O caso Gleiwitz), baseado principalmente nas declarações de Naujocks durante os julgamentos de Nuremberg. 


Na verdade, a vítima cujo corpo foi encontrado na rádio era o alemão Franciszek Honiok, comerciante de máquinas agrícolas e simpatizante da Polônia, muito provavelmente já sob vigilância da Gestapo. Os soldados SS que participaram da farsa eram fluentes em polonês e seguiram ordens diretas de Heinrich Himmles e Reinhard Heydrichque exatamente na referida noite dispensaram as sentinelas da rádio, visando dar a Hitler uma justificativa para iniciar a guerra. Naujocks declarou à revista Der Spiegel, em 1963, como a farsa fora uma operação “altamente política”, que seguira instruções precisas. 


 As fake news propaladas na seara política não são novidade; apenas que seu potencial lesivo cresceu exponencialmente diante da tecnologia. Logo, se no passado recente foram capazes de provocar uma guerra mundial entre forças ditas democráticas e regimes totalitários, ainda que com todas as limitações tecnológicas existentes à época (um dos objetivos da operação era que as transmissões de Gleiwitz chegassem a Berlim, o que não ocorreu), atualmente uma notícia falsa apresenta potencial lesivo e possibilidades de comprometimento da segurança internacional e da democracia, infinitamente maiores e reais. Assim, toda vigilância e cuidado com fake news são de extrema importância, especialmente quando envolvem temáticas políticas e militares.