O governo federal pretende atualizar os valores que obrigam empresas a notificarem fusões e aquisições ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Atualmente, transações entre grupos que faturaram R$ 750 milhões e R$ 75 milhões no ano anterior precisam ser informadas ao órgão. Com a nova proposta, esses valores subirão para R$ 1 bilhão e R$ 200 milhões. A mudança será formalizada por meio de uma portaria interministerial dos Ministérios da Fazenda e da Justiça e Segurança Pública, com o objetivo de reduzir a sobrecarga de processos no Cade e permitir que mais recursos e servidores sejam direcionados à fiscalização de grandes empresas e possíveis práticas anticompetitivas.
Especialistas apontam que a defasagem nos critérios de notificação tem aumentado significativamente a demanda no Cade. Apenas em 2024, a autarquia recebeu 712 pedidos de análise de fusões e aquisições, um crescimento de quase 20% em relação ao ano anterior. Para lidar com esse aumento, o órgão tem buscado soluções para agilizar os processos, incluindo o uso de inteligência artificial na triagem dos casos. A Lei nº 12.529/2011, que rege o sistema de defesa da concorrência no Brasil, estabelecia inicialmente que operações deveriam ser notificadas quando uma das partes faturasse pelo menos R$ 400 milhões e a outra, R$ 30 milhões. Em 2012, esses valores foram ajustados para os patamares atuais, mas desde então não houve novas atualizações. Com a inflação acumulada, a necessidade de revisão dos critérios se tornou evidente.
Uma pesquisa realizada pelo Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e pelo Grupo de Estudos de Direito Concorrencial da Universidade Presbiteriana Mackenzie, analisou a defasagem dos valores e apontou que, considerando a inflação, os critérios ideais para notificação de fusões e aquisições deveriam ser R$ 1,7 bilhão e R$ 170 milhões. O professor Vicente Bagnoli, um dos autores do estudo, destaca que muitos atos de concentração atualmente submetidos ao Cade poderiam ser dispensados, pois não geram impactos relevantes na concorrência. Para o setor privado, a atualização dos valores é vista como uma medida positiva. A mudança reduziria custos com advocacia e burocracia para as empresas, além de permitir que o Cade concentre seus esforços na fiscalização de condutas que realmente ameaçam a concorrência.
Apesar do apoio do setor empresarial, a proposta gera debate dentro do próprio Cade. O presidente da autarquia, Alexandre Cordeiro, já sugeriu que, além da atualização dos valores, outros critérios de notificação deveriam ser revistos. Ele defende que a análise considere também o valor da operação como um fator relevante, garantindo que fusões e aquisições de grande impacto não escapem do escrutínio do órgão. Enquanto advogados e economistas favoráveis à mudança argumentam que o Cade ainda poderá intervir em operações suspeitas – uma vez que a legislação permite a exigência de notificações específicas –, críticos alertam que a medida pode facilitar a aquisição de empresas regionais por grandes grupos sem passar pelo crivo do Cade, o que poderia resultar em maior concentração de mercado, especialmente em setores estratégicos. O governo ainda não definiu uma data para a publicação da portaria, mas a expectativa é que a atualização dos valores seja anunciada em breve, impactando diretamente o volume de processos analisados pelo Cade nos próximos anos.