“Em junho de 2013, uma onda de protestos tomou conta das ruas do Brasil. Ao longo do mês, foram realizadas dezenas de manifestações em mais de 50 cidades brasileiras e até em algumas cidades do exterior. Ao todo, estima-se que mais de dois milhões de pessoas tenham saído às ruas. As ‘Jornadas de Junho’, como ficaram conhecidas, não tinham caráter socialista ou de esquerda, nem se moldavam a características reacionárias ou regressivas. Foram gritos contra o poder estatal, o padrão temporal e a linguagem do Estado”.
A citação é do livro “Atos Que Viraram Fatos”, publicado pela Editora Mackenzie e lançado no dia 13 de agosto no Centro Histórico e Cultural Mackenzie (CHCM), no campus Higienópolis. A obra das professoras da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) Denise Paiero, jornalista e doutora em Comunicação e Semiótica, e Rosana Schwartz, doutora em história, percorre história e jornalismo ao retratar as manifestações de 2013 e os atos que se sucederam até 2016. Elas abordam o papel da imprensa na cobertura dos protestos e também a organização de manifestações nas redes sociais.
Contexto histórico das manifestações
Segundo contam as autoras, em maio de 1968, na França, jovens de movimentos estudantis organizaram protestos que questionavam a política da época e o sistema educacional francês. Rosana explica que vários movimentos se instauravam, como o feminista, que reivindicava os mesmos direitos e espaço de voz na política para mulheres e homens. Além disso, no contexto da Guerra do Vietnã, o movimento hippie surge para questionar a violência e pedir pela paz; bem como o movimento negro passa a se estruturar, ter mais visibilidade e ser reconhecido.
“Estamos falando do contexto de Guerra Fria e do acirramento entre esquerda e direita. Alguns jovens falavam: ‘o modo stalinista de viver está errado, caminhando para algo repressivo; mas o modo americano de viver também está errado porque é uma sociedade extremamente consumista, que não enxerga o ser humano, não vê a humanidade!’”, pontua Rosana.
Essas manifestações se espalharam pela América do Norte e outros países europeus, chegando também ao Brasil. “É como se fosse um boom de 68, uma onda de questionamento de como se fazia política”, completa ela. No livro, as professoras discutem como as pessoas combatiam o modo arcaico de fazer política no passado e como isso aconteceu de 2013 até 2016.
“Quando os jovens foram às ruas nas primeiras manifestações em 2013, eles discutiam as mesmas coisas, esse modo de fazer política, a direita e a esquerda que não dão conta – e na verdade nem existem – e o afastamento dos movimentos sociais”, explica Rosana sobre as semelhanças dos protestos do passado e do presente.
Mobilização nas redes sociais
Denise, que pesquisa fenômenos midiáticos há anos, afirma que as redes sociais ainda não estavam muito presentes no início de seus estudos, mas que nos anos seguintes percebeu que elas tomaram papel de protagonistas das ações. Um exemplo citado foi um dos primeiros protestos realizado via rede social, o Churrascão de gente diferenciada.
“Ele nasce de uma brincadeira. Uma mulher deu uma entrevista, referente à chegada do metrô em Higienópolis, e falou que não queria ‘gente diferenciada’. Uma fala pejorativa. Virou um protesto de verdade, fizeram o churrascão em frente do shopping”, relembra a professora.
De lá pra cá, a influência das redes aumentou e se intensificou. De acordo com ela, tais canais servem tanto para articular os discursos, mobilizar a sociedade e organizar os atos, quanto para dar visibilidade aos protestos.
“Tempos atrás, a demanda dependia do jornalismo convencional da grande imprensa para ter visibilidade. Hoje, não mais. As pessoas se mobilizam por conta própria e expõem tais manifestações”, diz Denise.
Questionada sobre os pontos negativos do uso das redes sociais, Denise comenta que além das Fake News, a mobilização virtual, muitas vezes, toma o espaço das ruas, e as pessoas que se manifestam virtualmente podem deixar de comparecer aos atos presencialmente, o que enfraquece os movimentos. No entanto, ao mesmo tempo, “as redes sociais abrem portas para que mesmo pessoas com interesses contrários ao da grande imprensa, se organizem e façam barulho”, assinala ela.
O papel do jornalismo nas coberturas
O período de protestos analisado rendeu muitas notícias, diversas delas com foco na alteração do cotidiano da cidade, como paralisação de ruas e depredação, mas muitas vezes a real causa do protesto não foi noticiada. “Os jornalistas às vezes se pautam pelo que dá mais visibilidade, e não exatamente falam sobre a causa do protesto. Nas notícias pesquisadas, vimos que, muitas vezes, o protesto parou a Paulista, mas não se explicou o porquê. Isso tem a ver com as características do jornalismo: pressa, falta de espaço ou com interesses envolvidos. Num mundo ideal, os jornalistas mostrariam a causa do protesto e não apenas consequências”, explica Denise.
Além disso, completa a pesquisadora, em alguns momentos há uma cobertura excessiva de algum ato, enquanto em outros nenhuma visibilidade existe para a causa da manifestação. “Isso também mostra que o jornalismo, ao noticiar ou não um fato, também está tomando um partido e defendendo alguns interesses”, diz ela.
Dessa forma, refletindo historicamente sobre as manifestações que tiveram início em 2013 e também problematizando a cobertura jornalística e o impacto das redes sociais na capacidade de organização da sociedade, o livro Atos que viraram Fatos se mostra mais atual do que nunca, mantendo relevante um debate que desde aquele momento movimenta, aquece e transforma a sociedade. A obra está disponível para venda neste link.