Jesus Cristo Desprezava o Dinheiro?

Ao contrário do que se pode pensar, Jesus nunca torceu o nariz para o dinheiro ou para ganho honesto no mercado produtivo.

30.06.202011h02 Lawrence W. Reed

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Jesus Cristo Desprezava o Dinheiro?

" - Jesus considerava o dinheiro como 'lucro imundo' e a raiz de todo o mal!"  foi isso que disse um aluno em uma das minhas aulas há alguns meses.  Embora essa não seja uma visão incomum, ela está totalmente errada. O estudante em questão estava participando de uma aula que dei com o seguinte título: "Era Jesus um socialista?"  A preleção foi feita com base em um pequeno ensaio que escrevi em 2015 e que rescentemente ampliei num livro que está a venda aqui.

O assunto do dinheiro nos dias de Jesus e o que ele disse a respeito dele são temas interessantes e dignos de atenção de todos nós - independentemente da fé ou da ausência dela.

O próprio Jesus nunca usou a frase "lucro imundo", apesar dela aparecer quatro vezes em toda a Bíblia. Em cada caso, o termo é empregado por outra pessoa e sempre em referência a um roubo ou  a desonestidade, como "saques" ou "ganhos ilícitos".

Roubo e desonestidade são alvos de condenação não qualificada em todo o Antigo e Novo Testamentos, e de numerosos profetas e sábios. Por exemplo: "A ninguém trateis mal nem defraudeis e contentai-vos com o vosso soldo.", aconselhou João Batista quando interrogado por um grupo de soldados (em Lucas 3:14). Da mesma forma em Provérbios 11: 1, somos informados de que “Balança enganosa é abominação para o SENHOR, mas o peso justo é o seu prazer."

Jesus nunca sugeriu, nem remotamente, que dinheiro em si fosse um mal. No entanto, ele elogiou o ganho através de trabalho produtivo e do investimento, como na famosa Parábola dos Talentos. Ele aconselhou a administração cuidadosa do dinheiro nos negócios, como em Lucas 14: 28-30, incentivou a doação voluntária e privada a propósitos e instituições de caridade dignos, como na Parábola do Bom Samaritano e elogiou aqueles que apoiavam ministérios, missões e o templo com seus dízimos e ofertas, como na história da viúva em Marcos 12: 41-44 e Lucas 21: 1-4.

Em muitas ocasiões, ele convidou as pessoas a se ajudarem - inclusive por meio de doações em dinheiro - para atender necessidades legítimas e melhorar as condições das outras pessoas. Você e eu fazemos o mesmo, talvez diariamente no trabalho ou em casa. Incentivar alguém a ajudar uma pessoa é uma coisa, mas obrigar alguém a dar dinheiro para ajudar alguém é outra completamente diferente. Jesus pediu programas de redistribuição pessoal, individual e livres e não coercitivos, administrados pelo Estado.

Por que tantas pessoas pensam que, pelo fato de Jesus endossar doações de caridade, ele também apoiaria a ideia de um estado de bem-estar compulsório? Há um abismo de diferença entre os dois conceitos! Se por acaso eu recomendasse que você lesse um livro, você presumiria que eu também apoiaria a ideia do Estado forçá-lo a lê-lo também? ou mesmo quando sua mãe lhe disse para comer brócolis, você achou que ela estava endossando a criação de um Ministério dos Legumes?

Mais de uma vez, Jesus advertiu contra deixar o caráter sucumbir às tentações e excessos prejudiciais que frequentemente acompanham o dinheiro. Da mesma forma, Jesus gostava e apoiava a ideia comer bem, mas rejeitava a gula, incentivou o descanso, mas não a preguiça, ressaltou a importância do jejum, mas não apoiava a ideia de morrer de fome, permitia e desfrutava do prazer de beber, mas condenava a embriaguez.

Paulo, o apóstolo mais famoso de Jesus do século I alertou contra o amor ao dinheiro, mas não contra o dinheiro em si. De fato, argumentar que um meio de troca é de alguma forma inerentemente mau seria uma das coisas mais ingênuas que alguém poderia fazer. Qualquer economista lhe dirá que o dinheiro - especialmente dinheiro honesto que não é adulterado por decreto, fraude ou pesos falsos - facilita um nível de comércio e padrões de vida que nem um sistema de troca primitivo nem um esquema de alocação estatal jamais poderiam conseguiria produzir. A censura bíblica ao dinheiro desonesto emitida por governos inflacionários é pelo menos tão antiga quanto a advertência de Isaías aos israelitas: " A tua prata tornou-se em escórias, o teu vinho se misturou com água." (Isaías 1:22).

O papel-moeda apareceu pela primeira vez mil anos após o nascimento de Jesus. O dinheiro nos tempos do novo testamento consistia exclusivamente em moedas metálicas e sendo a Judéia uma província romana na época de Jesus, o dinheiro dinheiro utilizado lá era oficialmente  o do império romano da época do regime de Augusto -  primeiro imperador da Roma que governou de 30 a.C. a 14 d.C. e o de seu sucessor Tibério, no poder de 14 a 37 d.C. Nesse sistema monetário antigo, um áureo de ouro e um denário de prata (regime bimetálico) era igual a 25 denários. Quando Jesus perguntou aos fariseus cuja imagem estava no denário (Marcos 12:15), a resposta foi "de César" provável referência ao Imperador César Augusto.

Jerusalém era um centro de comércio internacional na época, então os cidadãos da região provavelmente viram moedas de muitos lugares e compostas de outros metais, dando origem a um negócio próspero de troca de dinheiro (câmbio). Jesus retirou alguns desses cambistas do templo principal (e nunca de um banco ou mercado) porque não era uma atividade apropriada para um lugar tão sagrado. Certamente não havia razão para tolerar qualquer interrupção dos serviços ou assédio dos fiéis. O especialista em moedas antigas David Hendin nos diz:

“Cambistas e comerciantes de animais eram onipresentes ao redor do templo, mesmo no Segundo Templo. Os cambistas e os vendedores de gado foram forçados a operar fora do templo. De fato, escavações arqueológicas ao longo do Muro Ocidental do Monte do Templo em Jerusalém revelaram uma rua e uma fileira de pequenas lojas que provavelmente abrigavam cambistas, vendedores de pequenos animais e comerciantes de lembranças. O negócio deles era bom, principalmente durante as férias de peregrinação. É fácil imaginar como os cambistas e outros comerciantes podem se tornar agressivos enquanto competem por negócios ("Troque aqui! Nossas comissões são mais baixas!"). Essa competição deve ter chegado a um ponto ofensivo quando Jesus derrubou suas mesas...”

Uma vez, um homem se aproximou de Jesus e pediu que ele usasse seu poder e influência para redistribuir a riqueza de uma herança (Lucas 12: 13-15). O homem alegou que seu irmão recebeu mais do que deveria, então Jesus deveria garantir que parte do dinheiro de seu irmão seja retirada e entregue a ele. A resposta de Jesus foi repreender o homem por sua inveja. "Quem me fez um juiz ou divisor sobre você?" Perguntou Jesus. Claramente, Jesus não via dinheiro como um instrumento conveniente pelo qual podemos roubar um para pagar outro para alcançar a redistribuição de riqueza.

Frequentemente é incompreendida esta importante advertência de Mateus 6:24, repetida em Lucas 16:13. Jesus disse:

"Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro".

Alguns leitores interpretam essas palavras como um repúdio geral ao dinheiro. Se a escolha é definida claramente como Deus ou dinheiro, um ou outro e nenhum intermediário, é claro que um crente deve optar pelo primeiro. Mas observe o contexto: Jesus não estava falando aqui sobre um consumidor em um mercado físico. Você não iria muito longe se dissesse ao funcionário de uma loja de departamentos: "Em vez de dinheiro por essa camisa, deixe-me lhe dar um sermão". Quando Jesus fez essa declaração, ele estava falando com um grupo de fariseus, que eram notáveis por seu amor ao dinheiro acima de tudo.

As palavras-chave são "servir" e "senhores". Jesus estava se referindo a um relacionamento reverencial. O que você adora? Qual "senhor" você ouve quando as diretrizes deles se contradizem? Em outras palavras, priorize corretamente as coisas. O dinheiro tem seu lugar na vida econômica, mas nunca deve ser o foco mais importante. Não permita que ela ou suas tentações associadas o governem.

Conclusão: qualquer que seja sua fé (ou mesmo se você não possui uma), não faça reivindicações sobre Jesus e dinheiro que não possam ser sustentadas por suas palavras e num contexto histórico. Ele nunca torceu o nariz para os meios de troca, ou ao ganho honesto no mercado produtivo. Ele nunca sugeriu que houvesse algum limite mágico para a riqueza material que uma pessoa deveria obter através do comércio pacífico. Ele, no entanto, aconselhou a não permitir que o dinheiro governasse sua vida e seus relacionamentos.

Lawrence W. Reed é presidente emérito e sênior da Humphreys Family da FEE, tendo atuado por quase 11 anos como presidente da FEE (2008-2019). Ele é autor do livro de 2020, “Jesus era Socialista?” bem como “Heróis reais: histórias verdadeiras incríveis de coragem, caráter e convicção” e “Com licença, professor: Desafiando os mitos do progressismo”. Siga no LinkedIn e Twitter e curta sua página de figuras públicas no Facebook. Seu site é www.lawrencewreed.com.

 

Tradução, adaptação e organização: Matheus Campos A. Cosso B. Resende

Estudante de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Bolsista no Centro Mackenzie de Liberdade