A organização Transparência Internacional publicou, no início de 2023, o índice de percepção de corrupção relacionado ao ano passado. O indicador é relevante ao apontar várias questões estruturais vinculadas às práticas desviantes existentes em cada sociedade. Não por acaso, países mais desenvolvidos nos campos social e econômico apresentam, em regra, menor posicionamento no referido ranking, algo que permite refletir sobre a importância do arcabouço institucional na conformação de tal panorama.
Na pesquisa, que conta com 180 países, a nação mais bem colocada é a Dinamarca, com 90 pontos (entre 0 e 100 possíveis), com outros Estados nórdicos entre os dez primeiros: Finlândia (87 pontos), Noruega (84 pontos) e Suécia (83 pontos). No outro extremo, estão localizados países com histórico político bastante atribulado, como Somália, Síria, Sudão do Sul, Venezuela, Iêmen, Líbia e Haiti (todos eles com pontuação variando entre 12 e 17 na mencionada escala). A média global é de 43 pontos, número estagnado há onze anos, sendo que, conforme o relatório da Transparência Internacional (página 8), 68% dos países estão abaixo dos 50 pontos, fato que demonstra como a corrupção é uma mácula presente globalmente. A diferença se faz sentir regionalmente, estando o setor Europa Ocidental/União Europeia com a maior pontuação média (66) e a África subsaariana com o menor índice (32).
O Brasil ocupa a 94ª posição, com apenas 38 pontos, número que não sofre alteração desde 2020. O histórico de impunidade é evidente e, tendo passado o auge da Lava-Jato, os números não demonstram ter havido qualquer melhora na percepção quanto ao ambiente de corrupção presente no país. É natural o sentimento de que a desonestidade verificada no cotidiano nacional represente um risco à segurança e à paz, pois o comportamento corrupto é, concomitantemente, causa e consequência de conflitos, como aponta o relatório sob análise (página 10). Uma coletividade marcada por tais condutas desviantes provoca ressentimentos e coloca em questão a legitimidade democrática dos Estados que não conseguem combater atitudes corruptas. A retroalimentação existente na situação é clara: quanto maior é a sensação de impunidade, menor é a crença na democracia e, com a diminuição da credibilidade em instituições democráticas, mais incentivo existe para condutas corrompidas.
No âmbito regional, a situação brasileira não é boa. Na média, os países das Américas (do Norte, Central e do Sul) estão com 43 pontos, com destaque positivo para Canadá e Uruguai (ambos com 74 pontos) e negativo para a Venezuela (14 pontos). Importante notar a diferença em termos de estabilidade institucional entre os países mencionados. A pontuação regional, estagnada há quatro anos, é reflexo da dificuldade de combater práticas corruptas na zona americana, especialmente se considerados aspectos sociais, históricos e políticos que oferecem resistência à edificação de estrutura jurídica apta a combater os desvios de conduta. O fato de o Brasil estar abaixo da média e ter pontuação que corresponda quase à metade da obtida pelos uruguaios é algo que merece reflexão, uma vez que há íntima relação entre a falta de segurança jurídica de países com maior nível de corrupção e a menor disposição para realização de investimentos. Obviamente, o detentor de capitais espera que o funcionamento adequado das instituições do país resguardará os contratos assinados. Caso não tenha tranquilidade em relação a tal assunto, o investidor não colocará ou manterá seu dinheiro no país, ocasionando a menor geração de empregos, diminuição no recolhimento de tributos e, consequentemente, redução da capacidade de crescimento econômico e desenvolvimento social.
Destarte, a apresentação do índice de percepção de corrupção alerta para a condição preocupante em que se encontra atualmente o Brasil. Não se discute que práticas corruptas grassam no país desde tempos imemoriais; o aspecto preocupante é a ausência de melhora (ainda que gradual e lenta) nesse campo. As nocivas consequências nas áreas econômica e social constituem motivos suficientes para que a sociedade brasileira coloque entre suas preocupações centrais a questão das condutas desviantes. Adiar tal discussão ou considerá-la um problema menor, como determinadas correntes ideológicas professam, tende a inviabilizar a construção de estrutura institucional apta a incentivar o desenvolvimento nacional.
Autor: Elton Duarte Batalha – Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.