O II Congresso de Transição Energética, promovido pelo Centro Mackenzie de Políticas Públicas e Políticas de Integridade (Mack Integridade) em parceria com a Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), reuniu, na manhã de 07 de novembro, especialistas, acadêmicos e representantes do setor público e privado para discutir tendências e desafios da transição energética no Brasil.
Além de painéis e debates, o evento marcou o lançamento da obra coletiva Energia, Infraestrutura e Logística: Instrumentos Jurídicos e Regulatórios da Transição Energética, coordenada por Cácia Pimentel, também coordenadora-geral do Mack Integridade, e com prefácio de Antônio César de Araújo Freitas, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM). O livro conta com 24 capítulos focados em impulsionar o desenvolvimento regulatório e jurídico no setor de transportes no Brasil.
O momento devocional, conduzido pelo reverendo José Carlos Piacente Júnior, que esteve representando o chanceler Robinson Grangeiro, trouxe uma reflexão inspirada pela ordem do universo. Piacente destacou a necessidade de “usar bem os recursos que nos são oferecidos”. Citando o físico Isaac Newton, o reverendo complementou que “a maravilha, harmonia e organização do universo revelam Deus. Há leis e há um Deus a quem servimos”, pontuou.
Representando o reitor Marco Tullio de Castro Vasconcelos, o diretor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da UPM, Cláudio Parisi, ressaltou a importância dos temas abordados pelo Congresso. “Os temas são estratégicos para o Brasil e para o mundo, tocando nas mudanças climáticas, na agricultura, economia e muito mais. Queremos o Brasil cada vez mais como uma referência no campo da energia sustentável”, disse Parisi.
A coordenadora-geral do Mack Integridade reforçou a conexão entre ciência e valores da instituição. “A busca do conhecimento se dá ao longo do caminho, que se relaciona com a ciência e com nossa confessionalidade. Buscamos alcançar resultados íntegros e prósperos para a sociedade”, ressaltou Cácia.
Em sua fala, ela ainda destacou a importância das políticas públicas para a regulamentação de novas tecnologias e tendências, mencionando o surgimento de um mercado de remoção de carbono no Brasil.
O papel estratégico do Brasil
Convidado especial do evento, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, abordou o papel do Brasil na sustentabilidade global e alertou para o cenário mundial de instabilidade. “Estamos vivendo uma falta de líderes mundiais qualificados. Talvez estejamos entrando na era da desordem no mundo, onde faltam lideranças institucionais, nacionais e multilaterais. Isso coloca a democracia e a paz em risco”, afirmou.
Segundo Rodrigues, o Brasil está posicionado para liderar o processo de melhorias sustentáveis, especialmente no setor agrícola. “Cerca de 50% da nossa matriz energética é de renováveis, e metade vem do agro, como bioetanol, lenha e biomassa. Na produção de grãos, desenvolvemos uma tecnologia sustentável e competitiva, dobrando a área plantada e quadruplicando a produção de grãos desde 1990”, destacou.
De acordo com o ex-ministro, vivemos assombrados por quatro novos cavaleiros do apocalipse: desigualdades sociais, as mudanças climáticas, a insegurança alimentar e energética. “Tudo isso toca o agro. E o Brasil pode ser líder nesse processo de melhoria, por ser o único país a desenvolver uma tecnologia sustentável e competitiva na área”, afirmou ele.
Rodrigues ainda enfatizou a importância da ciência e dos cientistas para o futuro do país. “Um país sem ciência não tem futuro. Um país sem cientistas, não tem ciência. Logo, não podemos prescindir de investir nesses profissionais, precisamos pensar de forma estratégica”, completou.
Transição energética e iniciativas globais e locais
O Congresso também trouxe reflexões de especialistas sobre os avanços e desafios no cenário energético mundial e nacional. A professora Romany Webb, que atua como Deputy Director do Sabin Center of Climate Change da Columbia University, trouxe uma visão detalhada sobre a transição energética nos Estados Unidos e suas implicações globais.
Segundo ela, "o governo Biden teve o impacto mais significativo na política climática do que qualquer outra administração anterior, focando em soluções estruturais e sustentáveis para o setor energético".
Entre as iniciativas, Webb destacou a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), um marco que, até 2027, planeja quadruplicar os investimentos federais em energia limpa nos EUA. Esse plano prevê incentivos como isenções fiscais e financiamentos, que estimulam empresas e instituições a adotar tecnologias sustentáveis, inclusive por meio de programas de crédito de impostos destinados a entidades sem fins lucrativos, permitindo a expansão de infraestrutura como baterias de armazenamento e sistemas solares.
Webb pontuou também a importância do "hidrogênio limpo" nos EUA, uma estratégia central nos investimentos da IRA, projetada para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e integrar a produção, transporte e uso de hidrogênio em mercados regionais eficientes, os chamados hubs de hidrogênio. "Esses projetos não só avançam a tecnologia, mas também buscam aproximar as comunidades locais do processo de transição, fomentando empregos e promovendo o desenvolvimento sustentável nas regiões afetadas", sublinha ela.
De acordo com Webb, essa parceria com as comunidades é essencial, já que historicamente essas regiões têm sido uma barreira para o desenvolvimento da infraestrutura energética no país.
Ao final, Webb apontou o desafio político que a transição energética enfrenta. “A pergunta agora é o que acontece com esses programas após a eleição do Trump? Enquanto houver benefícios econômicos para as comunidades locais, o programa deve perdurar”, adiciona ela.
Biogás e biometano na matriz energética brasileira
A presidente executiva da Abiogás, Renata Isfer, abordou o papel crucial do biogás e biometano na transição energética do Brasil, apresentando o potencial dessas fontes na complementação da matriz de gás natural e na substituição do diesel. “Ao purificar o biogás, ele vira biometano, quimicamente igual ao gás natural. Com o setor agrícola brasileiro, temos um potencial de produção de 120 milhões de m³/dia de biometano”, explicou Isfer. Ela ainda destacou o papel do gás na economia circular e sua capacidade de reduzir até 90% das emissões em setores como transporte e agroindústria.
Isfer ainda trouxe à tona a recente liderança brasileira nas discussões do G20, onde o país assinou compromissos para rastrear emissões, inclusive na produção de produtos verdes, enfatizando o protagonismo do Brasil no cenário energético global. “Precisamos reconhecer as tecnologias de energia do hemisfério sul. Precisamos de todas as matrizes limpas atuando em conjunto para efetuar uma descarbonização verdadeira”, concluiu.
Caminhos para um futuro descarbonizado
Outro ponto de destaque foi a fala de Rosana Santos, diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética, sobre o financiamento da transição energética. Santos pontuou que as ações climáticas avançaram pouco desde a Rio 92 e que o Brasil deve explorar indústrias de baixas emissões. “Precisamos repensar nosso modelo de desenvolvimento e utilizar as energias limpas como alavanca para negócios. Não podemos nos restringir apenas à produção eólica e solar, mas investir em biocombustíveis como bioetanol, biometano e biomassa”, ressaltou.
Para expandir nossa atuação, Santos afirma que precisamos focar em negócios com ações climáticas, visando um impacto positivo real no planeta. “O Brasil tem todas as condições para liderar essa transformação, especialmente por meio de produtos industrializados de baixas emissões”, colocou ela.
Segundo a especialista, é essencial direcionar políticas públicas de financiamento e investimento para indústrias descarbonizadas, com o objetivo de aumentar e melhorar a distribuição da renda média. “Assim, estaremos preparados para descarbonizar efetivamente nossa economia. Além disso, devemos elevar a complexidade econômica e reduzir a exportação de produtos como minérios e petróleo para proteger o país no longo prazo", complementou Santos.
Cácia Pimentel comentou, ainda, sobre a colaboração técnica em discussão com a Abiogás, evidenciando o empenho do Mackenzie em fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de soluções energéticas.
O II Congresso de Transição Energética do Mackenzie contou, ainda, com apresentações e debates de diversos especialistas como: Maria João C. P. Rolim, advogada e economista, especializada em regulação direito de energia; Felipe Queiroz, diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Luiz Falcone, diretor de Regulação da EDP Brasil; e Allan Milagres, chefe da Assessoria Especial de Relações Parlamentares e Institucionais da ANTT.
O evento consolida o Mack Integridade como espaço de reflexão e ação concreta na promoção de políticas e regulações energéticas sustentáveis, reafirmando o papel da pesquisa e da inovação para o futuro do país e do mundo.