19.04.2018
Ainda que em franco desenvolvimento entre os agentes econômicos da atualidade, o liberalismo cede espaço à resistência conservadora no que se refere à emissão de moeda. Mesmo entre os mais liberais é predominante a visão conservadora sobre a exclusividade de emissão de papel-moeda pelo Estado, e não pela iniciativa privada, como meio para a mitigação de riscos.
Assim, cabe aos bancos centrais determinar a política monetária de seus países. São eles que controlam o volume de moeda em circulação, o crédito e as taxas de juros, em um regime tipicamente monopolista.
Em 1978, Friedrich August von Hayek apresenta a visão de que a prerrogativa do Estado de emitir de dinheiro deveria ser estendido às empresas, de modo a criar concorrência no mercado e permitir que as pessoas escolhessem suas próprias moedas, de modo a romper o monopólio estatal.
Essa ideia, apresentada na obra “A desestatização do dinheiro”, sugere que é possível estabelecer condições que viabilizem a liberdade para instituições, em várias partes do mundo, emitirem moeda em um sistema competitivo, com a mesma proteção contra falsificações que é dada a qualquer outro documento. Dessa forma, com a concorrência, as moedas seriam melhores e mais estáveis em seu poder de compra.
Com esta proposta, Hayek (2011) anteviu as bases para o surgimento das moedas virtuais conhecidas na atualidade. Restava, então, o desenvolvimento das condições que viabilizem a adoção dessa ideia na prática.
O Bitcoin foi apresentado ao mundo em 2008, em uma lista de discussão na Internet, e pode ser considerado a materialização da ideia de Hayek, após décadas de intensa pesquisa e desenvolvimento de uma rede totalmente descentralizada (peer-to-peer), sem a necessidade de um intermediador, com todos os registros de transações mantidos em um banco de dados distribuído, denominado blockchain.
O Bitcoin e outras moedas, para cujas trocas se utilizam o blockchain e a criptografia para assegurar a validade das transações, são conhecidas como “criptomoedas”. Trata-se de uma nova classe de ativos, mais caracterizados como um meio de pagamento do que propriamente como dinheiro, uma vez que não existem fisicamente. São recursos descentralizados, que não dependem dos bancos centrais dos países para serem emitidos ou negociados (TAPSCOTT, D.; TAPSCOTT, A., 2017).
A diferença em relação às moedas tradicionais é que “transações realizadas no sistema Bitcoin são registradas em um livro razão que não depende da autoridade de bancos ou governos, mas com a garantia de uma rede de computadores pública que (teoricamente, pelo menos) qualquer pessoa pode participar” (TAURION, 2018).
As criptomoedas são criadas por grande quantidade de computadores distribuídos pelo mundo, que também registram e aprovam as operações efetuadas. Para isso, são resolvidos problemas matemáticos, cada vez mais difíceis, para aprovar as transações. A cada conjunto de problemas resolvidos, fecha-se um bloco, possibilitando aos chamados “mineradores” a receberem como recompensa uma fração de moeda. Trata-se do blockchain, que é a estrutura das criptomoedas.
As criptomoedas, portanto representam exemplos reais da viabilidade da aplicação dos princípios de Hayek. Com o desenvolvimento tecnológico conquistado até o momento, elas não se limitam às oportunidades relativas a questões econômicas, mas também resolvem alguns problemas computacionais, como, por exemplo, o problema do gasto-duplo, o problema da escassez no mundo digital e o problema dos generais bizantinos.
Gasto-duplo
O valor puramente eletrônico, quando repassado para outra pessoa, pode continuar com a pessoa original, pois se trata apenas de uma cópia. Simplificando, seria quando um usuário consegue gastar as mesmas moedas digitais mais de uma vez.
Esse problema foi resolvido da seguinte forma: cada unidade do Bitcoin é única, ou seja, quando um Bitcoin é transferido, quem enviou fica sem a moeda e sem nenhuma cópia dela, e quem recebe a moeda passa a ter posse daquela unidade., Ele utiliza um processo chamado Prova de Trabalho, dessa forma não utiliza uma autoridade central para manter o histórico de transações. Os diversos nós da rede seguem um mesmo protocolo para validar as transações e trabalham em consenso. Após esse processo são armazenadas em uma base de dados pública o blockchain.
Escassez no mundo digital
Para resolver o problema do gasto-duplo, acabou-se por criar, no ambiente digital, uma condição que já existia no sistema monetário físico, , que é a escassez. No mundo digital, a escassez se dá pela habilidade de criar algo que não pode ser duplicado.
Generais bizantinos
O problema dos generais bizantinos foi proposto por Lamport, Robert e Pease (1982) que demostram uma situação hipotética onde várias divisões do exército bizantino estão acampadas em uma cidade inimiga e cada divisão é comandada por seu próprio general, que só podem se comunicar entre si por meio do mensageiro. Mas eles precisam decidir sobre um plano de ação em comum, só que alguns dos generais podem ser traidores tentando impedir que os generais leais cheguem a um acordo. Desta forma os generais devem ter um algoritmo para garantir que todos os generais que são leais tomem a mesma decisão. E evitar que os generais traidores influenciem os leais a tomar uma decisão ruim.
Esse problema foi resolvido pela mineração pois este processo valida as transações e por isso, cria uma sólida rede de confiança: o blockchain que é público e fica disponível para as pessoas acessarem a qualquer momento, pois a busca pela confiança é a principal questão que o estrutura.
Hayek sugeriu que seria possível estabelecer várias instituições, em várias partes do mundo, que seriam livres para emitir notas num sistema competitivo e, como proposto, outras moedas digitais foram criadas e elas além de trazer inovações trazem novas ideias de utilização, como processamento dos blocos mais rapidamente.
Apesar do Bitcoin ser a moeda de maior visibilidade, consta que atualmente, o mundo conta com mais de três mil de tipos de criptomoedas, cada uma criada para resolver problemas específicos, tais como substituição do dinheiro e remessas internacionais.
Segundo o site Gomes (2018) as seguintes criptomoedas destacam-se dentre as demais:
Bitcoin
A primeira e mais conhecida. Utiliza software de código aberto, seus processos são transparentes para a rede e está disponível a qualquer pessoa. Não há uma autoridade central no gerenciamento o que é realizado esse trabalho são usuários mineradores.
Uma vez que uma transação é enviada à blockchain, ela não mais poderá ser desfeita, e seu registro ficará para sempre no seu histórico. Outra característica das mais importantes é a irreversibilidade, sendo impossível se desfazer uma transação. O sistema funciona por pseudônimos para preservar o anonimato de seus usuários.
Ethereum
Ocupa o segundo lugar atualmente, e sua rede funciona não só com sua própria moeda, abrigando, também, uma série de outras criptomoedas em suas transações. Foi lançada por software de código aberto em 2015, com foco em contratos inteligentes, que é um código de computador que pode viabilizar a troca de dinheiro, propriedade ou qualquer coisa de valor, que podem automatizar a gestão de contratos em diversos níveis de complexidade.
Também funciona por meio da mineração e os profissionais podem fazê-la de modo mais simples, sem precisar investir em hardware, como no caso do Bitcoin.
No Ethereum, foi criada uma plataforma descentralizada, usando o blockchain que permite a execução de contratos inteligentes.
Ripple
Uma vez que a sua plataforma e ferramentas permitem e incentivem a utilização por meio de bancos, não é muito bem aceita entre os profissionais do meio digital. Sua conversão em moedas utilizadas por bancos, como o real ou o dólar, com taxas muito menores. Tem robustez no seu código, com transações mais rápidas e a custos muito baixos.
Litecoin
Foi desenvolvida com o objetivo de ser uma alternativa mais leve para o Bitcoin, e funciona de maneira extremamente similar a este, tais como mineração, transações e troca por produtos e serviços na rede. O seu algoritmo facilitou o surgimento de outras criptomoedas que também partem do princípio da simplicidade. Não exige hardware especializado para realizar a mineração.
Dash
Foi criada com a intenção de apresentar uma melhoria em relação ao Bitcoin quanto à agilidade das transações, e à privacidade com tecnologias avanças para propiciar o anonimato. O sistema é amigável ao usuário, facilitando o seu crescimento no mercado.
Enfim, as evidências da possibilidade de desestatização do dinheiro crescem e já encontram modelos testados e validados, não obstante a resistência e desconfiança que ainda se verificam. Como é comum na dinâmica de mercado, é provável que alguns dos modelos apresentem falhas a serem corrigidas, que ocorram problemas de segurança e que o Estado crie obstáculos legais, econômicos ou de outras naturezas que dificultem a adoção dessas tecnologias. Além disso, os registros históricos mostram que o avanço tecnológico comumente enfrenta resistências. Basta relembrar a resistência das produtoras contra a venda de músicas online, das editoras contra os ebooks ou de taxistas e autoridades públicas contra aplicativos, como Uber e semelhantes, por mais evidentes que sejam os benefícios à liberdade e poder de escolha dos indivíduos.
O fato é que as criptomoedas ganham espaço no campo virtual e real da sociedade, em âmbito global, e os números indicam sua capacidade de expansão como meio alternativo de pagamento. Os benefícios desse crescimento podem se alinhar aos objetivos da sociedade, proporcionando os resultados favoráveis previstos por Hayek quatro décadas atrás.
Bibliografia
GOMES, B. Quais são as 05 principais Criptomoedas do mercado? Disponível em: https://criptobrasil.com.br/principais-criptomoedas/ . Acesso em 10/março/2018.
HAYEK, F.A. Desestatização do dinheiro. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil. 2011.
LAMPORT, L.; ROBERT, S.; PEASE, M. The Byzantine Generals Problem. ACM Transactions on Programming Languages and Systems. v. 4, n. 3, July, 1982. p. 382-401. Disponível em https://people.eecs.berkeley.edu/~luca/cs174/byzantine.pdf. Acesso em 15/março/2018.
TAPSCOTT, D.; TAPSCOTT, A. Blockchain Revolution. São Paulo: SENAI. 2017
TAURION, C. Bem-vindo a um novo ramo da economia: o Cryptoeconomics. Disponível em: http://cio.com.br/opiniao/2018/01/03/bem-vindo-a-um-novo-ramo-da-economia-o-cryptoeconomics. Acesso em 20/março/18