04.05.2021 Atualidades
Sabemos que em um reality show, como o Big Brother Brasil, por exemplo, os participantes ficam expostos 24 horas por dia, sendo observados a todo instante por milhares de pessoas. Além da vigilância, eles precisam se adaptar ao convívio diário com novas pessoas, de personalidades tão distintas, dentro de uma mesma casa. Com isso, a saúde mental do elenco pode sofrer alguns impactos. Conversamos com o professor do Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) de Campinas, Marcelo Santos, doutor em Psicologia Social, para entendermos as consequências que a participação em um reality show de confinamento podem causar à saúde mental das pessoas.
Confira a seguir a entrevista completa:
Um participante de reality show pode ter algum impacto em sua saúde mental, em especial em programas de confinamento?
Marcelo Santos: Somente o fato de estar presente em uma casa confinada, com um grupo de pessoas que você não conhecia, tendo de passar por um período longo juntos e, ao mesmo tempo, sendo vigiado por várias câmeras, eu diria que já causa algum tipo de impacto na saúde mental da pessoa. Pensando na repercussão negativa, diria que o impacto é muito maior, em função do tanto que isso compromete a identidade da pessoa e a capacidade que às vezes tem de lidar no seu cotidiano, em um contexto um pouco mais controlado. Às vezes, a pessoa não tem ferramentas para lidar com tanta diversidade de acusações, e isso é muito ruim para a saúde mental.
Sobre a repercussão positiva, ela também causa impactos, pois cria dentro da pessoa uma necessidade de reconhecimento constante. E, claro, que a fama do BBB, por exemplo, é uma popularidade que tem prazo de validade. Então, isso futuramente pode causar algum impacto na saúde mental da pessoa, por ela esperar algo que não vai receber novamente.
A saúde mental de um indivíduo pode ser colocada em risco quando aceita participar de um reality?
MS: A exposição que a pessoa tem em caráter nacional, a sua intimidade sendo posta na televisão, tudo isso é algo que, quando a pessoa se propõe a participar, faz com que ela reveja muitas coisas e reflita. Ao participar de um evento desse, sabemos que, com o passar do tempo, aquilo vai se normalizando. O fato de estar incapacitado em sua mobilidade, limitado dentro das suas atuações, com ausência da família, lidando com várias adversidades ali dentro, tudo isso vai impactar de alguma maneira na saúde mental da pessoa.
O que é a cultura do cancelamento e qual a melhor forma de lidar com ela? Como isso pode afetar o participante?
MS: O ato é uma punição para algo que está sendo feito, que é contraditório ou que atingiu a um determinado grupo de pessoas que não concordam com aquilo. No geral, esse grupo percebe a força que tem na internet para cancelar e isolar aquela pessoa da sua vivência. A internet se tornou um espaço onde a punição hoje é mais efetiva. Não existe uma receita para lidar com o movimento, que pode ter uma abrangência enorme, então isso pode levar a pessoa a situações até de risco de vida e vulnerabilidade.
Uma sugestão é que a pessoa se “retire do mundo”, é bom que ela tenha esse tempo e fique em silêncio para que a onda passe e as pessoas possam deixar essa cultura de lado. Isso pode afetar totalmente a saúde mental do participante, pode causar transtornos mentais, doenças como a depressão, transtorno de ansiedade, fobia social e, infelizmente, se a pessoa que é atingida não tiver estrutura para lidar com a situação, isso vai adoecê-la cada vez mais.
A cultura do cancelamento está ligada à violência?
MS: Eu não diria que ela está ligada à violência, mas que ela gera violência. Porque, quando você cancela alguém, isso é um ato de punição, e esse ato pode ter uma repercussão maior do que aquilo que você esperaria acontecer. Não é a violência só do ato do cancelamento, porque a pessoa se sente isolada, excluída e isso pode gerar algum dano na saúde dela. Existe também a violência que é direta, que são as ameaças de baixo calão e de tantas outras coisas que vemos acontecer.
Como os participantes podem se proteger da cultura do cancelamento?
MS: Sobre a proteção dos integrantes dentro do reality show, deveriam ser postas da seguinte maneira: cuidado com o que se fala! Cuidado com o que se pensa! Cuidado com o que você está expressando diante do outro ou para uma pessoa de forma comportamental! Deve ser realmente difícil controlar comportamentos dentro de um programa que está sendo exposto 24h por dia e que gera muitas emoções ao mesmo tempo, mas é interessante a pessoa não entrar em polêmicas, grandes discussões ou dar pontos de vista que são particulares, individuais (em relação à política ou alguma bandeira que a pessoa defenda).
Existe alguma maneira de melhorar a questão de saúde mental dentro de reality shows, como por exemplo o BBB?
MS: As emoções estão sendo testadas a todo momento, e são relacionadas aos desafios que são postos ali dentro, como provas de resistência, testes de controle emocional, de relacionamentos em espaços confinados, de mobilidade restrita e de horários. O fato é que há um script a ser cumprido, existe uma estrutura do reality que, se você modificar demais, ela perde a essência e essa estrutura, infelizmente, mexe com a saúde mental dos seus participantes.
Por que o ser humano acaba se identificando com as pessoas que estão dentro de um reality show?
MS: Acredito que a identificação é mais com contexto do que com pessoas em si. Você vê certas situações que se assemelham à sua vida, avalia se a vida do outro é tão parecida com a sua, se os seus sentimentos são vividos pelo outro também, então, acaba se envolvendo com o programa justamente porque, pelo próprio nome, diz mostrar a “realidade”. Há também a identificação regional, torcer pela pessoa que representa sua região, etc.
Você acredita que os reality shows estão mais assistidos neste ano?
MS: O isolamento social é um momento de muita dor que todos nós estamos vivendo, então, entendemos que entretenimentos como este são bons, exclusivamente nesse momento de confinamento, para poder distrair um pouco, tirar a pessoa daquele foco de tanta dor coletiva que estamos vivendo em sociedade desde 2020. Eu diria que o Big Brother Brasil, por exemplo, serviu, de alguma maneira, como um divertimento, até porque essa versão do BBB trouxe temas polêmicos, que são do dia a dia, questões importantes a serem discutidas socialmente. Ele também está servindo mais como um passatempo para que a gente possa se desconectar um pouco, tendo até um caráter, pode-se dizer, anestésico diante de tanto sofrimento.