22.05.2020
A crise gerada pela pandemia do coronavírus pegou a todos de surpresa. Porém, as ações para evitar a contaminação generalizada acabaram por afetar mais evidentemente alguns setores específicos. O de restaurantes é um dos que mais sofrem atualmente, mas também permite uma reflexão sobre a inserção e utilização da tecnologia.
Esse choque se dá inicialmente por ser um tipo de serviço que possui algumas características que o tornam bastante sensível à redução repentina e substancial da demanda por seus produtos. De acordo com André Fernandes, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), “é um setor intensivo em uso de capital humano – por menor que seja a estrutura de um restaurante, são necessários cozinheiros, chefs de cozinha, garçons, nutricionista, bem como o pessoal administrativo –, e no uso de insumos que possuem validade curta (verduras, legumes, entre outros) que, se não consumidos em um curto intervalo de tempo, precisam ser descartados”.
Somado a isso, tem-se a estrutura de funcionamento usual dessas empresas que faz com que suas margens de lucro sejam pequenas, bem como sua necessidade de capital de giro seja elevada. “Desta forma, a redução repentina e abrupta da demanda pelos produtos dessas empresas geram impactos significativos em sua capacidade de sobreviver e, se nada for feito em ajuda ao setor, pode causar um nível de demissões que, segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), pode chegar a mil por hora”, complementa Fernandes.
Essa visão do cenário é compartilhada por Rodrigo Libbos, professor dos cursos de Tecnologia em Gastronomia e de Nutrição da UPM e chef-proprietário dos restaurantes Kebab Salonu e Firin Salonu, “quem não possui capital de giro, enfrentará muitas dificuldades para aguentar as contas nos próximos meses”. Libbos disse que teve de suspender as atividades das duas casas, “o custo seria maior ainda se estivessem em funcionamento. Além disso, se algum funcionário começa a ter os sintomas da doença, pode afetar a qualidade do trabalho da equipe” comentou.
Apesar do cenário momentaneamente desolador, o governo trabalha para auxiliar o setor, como a liberação do pacote de financiamento da folha de pagamento de empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões para pagamento de salários, mais prazo para pagamentos de alguns impostos e suspensão de jornadas e salários.
Contudo, Alexandre Nabil, coordenador do Núcleo de Empreendedorismo e Desenvolvimento Empresarial da UPM, ressalta que o empreendedor deve ficar atento aos gastos futuros, “mesmo que o estabelecimento tenha negociado o aluguel, estabelecido um acordo com os fornecedores e consiga esse empréstimo do governo, se não tiver receita no momento – e nenhuma chance de conseguir uma no momento –, fica difícil sustentar as despesas, mesmo no longo prazo, após a crise”.
Por isso, é fundamental que o empreendedor repense sua estratégia. Para Nabil é hora de aceitar que a digitalização do setor e o delivery, por meio dos aplicativos de entrega, são mudanças irreversíveis. “O que resta agora para o estabelecimento que está totalmente fechado é pensar em uma reestruturação do negócio, realizando treinamentos para a equipe e ir pensando em uma forma de instituir o negócio digital para voltar a ter receita o mais rápido possível”.
Delivery e a gastronomia
Em São Paulo, o chef Daniel Marcus Martins, também professor do curso de Tecnologia em Gastronomia da UPM, foi na contramão da história. Depois de um negócio de linguiças artesanais, partiu para o seu primeiro empreendimento familiar, iniciado em fevereiro de 2019: a Casa Parma – um estabelecimento especializado em parmegianas, no coração do bairro de Perdizes.
A Casa nasceu de uma vontade familiar em ter algo em comum, que gerasse uma segunda fonte de renda e pudesse proporcionar aos clientes um produto de qualidade. “Desde o início do projeto, tivemos como premissa desenvolver uma marca no setor de alimentação que atendesse o público dentro de uma demanda do mercado de produtos feitos com carinho, com bom atendimento e entrega padrão”, conta Martins.
A ideia do negócio foi projetar a marca como especialistas em delivery e take away, com direcionamento e esforços em um tipo de entrega que reduzisse os costumeiros custos fixos de restaurantes tradicionais. O chef destaca que, com o modelo de negócio, teve a oportunidade de transformar a redução de custos em preços mais competitivos para os clientes e melhores condições para os seus colaboradores.
Mas nem tudo são flores!
O delivery vem em uma crescente, mesmo antes da crise. Apresenta não só uma possibilidade de investimento menos custosa do que um restaurante tradicional, mas também uma oportunidade de aumentar o faturamento para os que trabalham com salão. Porém, muitas empresas precisam se adaptar ao novo cenário e encontrar soluções que atendam o seu negócio de uma maneira geral.
O economista André Fernandes ressalta, “esse método de entrega ajuda a reduzir o impacto no desaquecimento do setor, mas nem todos os consumidores estão dispostos a pagar pelas taxas de entrega, ou seja, embora amenizem o impacto, não o fazem com magnitude significativa – sendo necessário analisar caso a caso se o empreendimento vale a pena ser mantido aberto”.
Ademais, com a covid-19, as práticas adotadas em manuseio de alimentos, preparo e procedimentos de qualidade dos pratos são ainda mais essenciais para a segurança. Além disso, o serviço de entrega deve ser executado sem o contato físico, opção que já existe em alguns aplicativos, e a critério do cliente.
O chef Martins comenta que, mesmo tendo uma casa, há um enorme desafio. “Apesar da demanda ter aumentado consideravelmente desde o início da quarentena, temos encontrado problemas de fornecimento de insumos e afastamento de funcionários”. Ele considera que os negócios focados em alimentação estão com "vantagem" por ainda continuarem abertos, se seguida as regras impostas pelo governo.
“Sinto bastante pela exposição dos funcionários, porém, ainda temos a oportunidade desta forma de mantermos os salários e benefícios de todos. Continuamos girando o faturamento de nossos fornecedores e atendendo à demanda”, complementa ele.
O setor de restaurantes está tendo a oportunidade de aprender e tirar conclusões dessa situação. “Os empresários devem rever suas planilhas de custos, reduzir gastos supérfluos e aprender a trabalhar com o essencial. Isso certamente vai ajudar os negócios do mercado gastronômico. Além disso, devemos aumentar ainda mais a nossa preocupação com o controle sanitário de todos os processos. Estas são certamente atitudes que levaremos conosco depois que isso tudo passar”, finaliza Martins.