31.01.2019 - EM Atualidades
*Atualizado em: 30/01/2020
Pouco mais de três anos depois da tragédia em Mariana, que ainda tem consequências para a vida da população e para o meio ambiente, Minas Gerais sofre mais uma vez com um desastre envolvendo o rompimento de uma barragem de mineradora. Desta vez, a barragem 1 (B1), na Vila Ferteco, da empresa Vale na Mina Córrego do Feijão, localizada em Brumadinho (MG), se rompeu na sexta-feira, 25 de janeiro, e devastou parte da cidade que fica a pouco mais de 35 km de Belo Horizonte. Até o momento, 259 mortes confirmadas e 11 pessoas continuam desaparecidas.
A juíza Renata Lopes Vale, da Vara do Trabalho de Betim (MG), determinou em 28 de janeiro o bloqueio de R$800 milhões da mineradora. De acordo com o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito (FDir) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Marco Aurélio Florêncio Filho, “o bloqueio garante aos sobreviventes da tragédia o dinheiro para o ressarcimento dos danos causados e o pagamento das indenizações individuais e coletivas eventualmente impostas à mineradora, a depender da conclusão dos processos cabíveis”.
Ainda como consequência do ocorrido, alguns funcionários da Vale, responsáveis pelo licenciamento da B1, assim como engenheiros terceirizados da empresa alemã TÜV SUD, foram presos em Minas Gerais e em São Paulo no dia 29 de janeiro. De acordo com investigações do Ministério Público e da polícia, a suspeita é de que houve fraude em relatórios a respeito da estabilidade da barragem.
Alteamento da barragem em Brumadinho
Segundo Paulo Afonso Luz, especialista em barragens e professor de Engenharia Civil da UPM, há dois tipos principais de alteamento (aumento da capacidade da barragem): por montante e por jusante. O alteamento usado na B1 é por montante, que é mais econômico e, ao mesmo tempo, menos seguro, por isso o caso se assemelha ao de Mariana, que possuía o mesmo tipo de estrutura. (confira abaixo a diferença entre os modelos).
Rompimento rápido
Para a ruptura de uma barragem acontecer, a água absorvida no reservatório, junto com os rejeitos, precisa passar por dentro da estrutura do aterro. Como sua massa é brusca, o fenômeno ocorre de forma muito rápida, similar a uma avalanche de neve. Depois do rompimento da B1, a lama seguiu o curso do córrego do Feijão, desembocando no rio Paraopeba. “Neste caso, ele deságua em uma usina hidrelétrica, o que foi uma sorte, porque a poluição no rio São Francisco seria gravíssima se a lama escoasse direto para lá”, afirma o professor Luz.
Como conta o especialista, apesar de a sirene de alerta não ter soado no momento do rompimento, a probabilidade das pessoas saírem e se salvarem, mesmo com o aviso sonoro, eram remotas, pela rapidez do fenômeno. “É como você quebrar um vidro, ele quebra na hora, de uma vez, diferentemente de pegar uma borracha e ir esticando até ela finalmente se romper”, exemplifica Luz, e completa “a consequência disso é uma enxurrada de lama que devasta tudo que está em seu caminho”.
Lama contaminada
O rompimento da B1 não causou somente morte, desaparecimento de pessoas e soterramento da fauna e flora locais, mas também contaminação da área por conta dos dejetos químicos contidos na lama. Como explica Rogério Aparecido Machado, professor de Química e Meio Ambiente da Escola de Engenharia (EE) do Mackenzie, o processo de mineração no Córrego do Feijão usa reagentes para separar solo ordinário dos minérios e a lama que sobra contém uma mistura de componentes químicos nocivos.
As consequências do desastre são inúmeras, em curto e longo prazos. “O melhor e pior exemplo que nós temos é Mariana”, recorda o professor. “O Paraopeba não está mais potável e não vai ficar potável por anos. As questões mais imediatas e que tendem a permanecer serão o desabastecimento de água; problema com a piscicultura, como aconteceu no Rio Doce; com a flora, afinal vemos uma floresta totalmente destruída; e a agricultura, pelo solo contaminado no longo prazo”, explica.
As vítimas e bombeiros responsáveis pelo resgate também estão sujeitos à contaminação. Machado explica que a equipe em trabalho na área soterrada, ao entrar em contato com os dejetos, tem de estar paramentada para evitar que os metais presentes na lama cheguem à corrente sanguínea. “As pessoas que tiveram contato com a lama precisam de tratamento posterior, monitorando o sangue e a urina para ver se não houve acúmulo de metal nos órgãos”, afirma.
De acordo com ele, mesmo que estes metais não sejam os chamados “metais pesados” e não se acumularem facilmente nos órgãos vitais, é de suma importância realizar o acompanhamento médico.
Falhas na planta
Escritórios e refeitórios da própria Vale estavam localizados logo abaixo da barragem. Não só o estabelecimento dos funcionários estava em risco, como também a cidade localizada a poucos quilômetros de distância. O resultado foi de danos potenciais, materiais e humanos. Foi um acidente muito mais grave do que de Mariana nesse sentido, destacam os especialistas.
“A impressão que temos é a de que mesmo após três anos da tragédia em Mariana, a lição não foi aprendida. Foi exatamente o mesmo problema, com o mesmo tipo de projeto e com danos de vida ainda maiores. Essa foi uma tragédia anunciada”, diz Luz.
Precauções
“Para evitar acidentes como esse, é preciso ter um projeto bem feito, calculado e, de preferência, com a concepção mais correta, que seria a de alteamento por jusante”. É o que defende o especialista Luz, que também acredita que o melhor procedimento para evitar riscos nas barragens seria melhorar o monitoramento que recebem.
Esse monitoramento, também conhecido como controle tecnológico, é realizado por uma empresa privada terceirizada. O serviço exige uma inspeção, no mínimo, anual. “Qualquer sinal que indique que a barragem está com problema, como um sinal de vazamento ou o aparecimento de fissuras, é tido como um alerta e notificado num relatório, após análise”, pontua ele.
“O último relatório realizado dizia não haver nenhum problema com a barragem e o resultado não foi o esperado, já que a B1 acabou se rompendo. Isso se deve a alguma falha dos protocolos de verificação, que precisam ser revistos e atualizados, bem como a legislação”, complementa o especialista.
Fiscalização
Por se tratar da segunda tragédia envolvendo mineradoras no estado de Minas Gerais em pouco mais de três anos, “fica evidente que as políticas de fiscalização e controle do meio ambiente são falhas, o que acaba por gerar inúmeros acidentes e prejuízos de consequências avassaladoras”, aponta o professor Armando Luiz Rovai, da FDir do Mackenzie.
Segundo ele, deve-se observar que a tendência por políticas mais ágeis e com menor controle nesse setor podem gerar ainda mais descasos com a natureza, “sem deixar de lado, em momento algum, a fiscalização, que deve ser mais rígida e ter uma rigorosa análise pelo poder público”, enfatiza.
O professor pontua que a legislação brasileira precisa ser endurecida, implementando penalidades altas às empresas que destruam o meio ambiente, afinal, “somente dessa forma as grandes corporações passarão a contar com políticas de manutenção e regulamentos internos rígidos que visem à rigorosa manutenção de suas barragens”, completa Rovai.
Responsabilidade no desastre
Caso seja comprovada culpabilização da empresa Vale, a tragédia será tratada como crime, segundo o professor Florêncio. A princípio, pode-se vislumbrar hipótese de responsabilização penal tanto por omissão quanto por comissão.
“A responsabilidade por comissão poderia ocorrer se os estudos concluírem que os dirigentes da Vale tinham ciência de que a capacidade de contenção da barragem não aguentaria as novas atividades desenvolvidas pela empresa, como o aumento de capacidade de acumulação, mas mesmo assim mantiveram o plano de ação por uma questão econômica”, define Florêncio.
Já no caso de responsabilidade por omissão, ele explica que decorreria de provas de que os dirigentes e engenheiros da Vale não tomaram as devidas providências para garantir a segurança no plano de ação que gerou o desastre, mediante, por exemplo, a realização de estudos de impacto ambiental e de manutenção da barragem.
Ainda segundo o professor, analisando a esfera criminal, e também tomando por base a tragédia de Mariana - cuja ação penal ainda não se encerrou -, é possível que os responsáveis respondam pela prática dos delitos de: inundação; desabamento; lesão corporal; homicídio e emissão de laudo enganoso. “Podendo, caso venham a ser condenados, a terem de cumprir pena em estabelecimento prisional”, destaca.
Além disso, vislumbra-se a possibilidade de imposição de multas por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), bem como de condenações a título de reparação de danos morais e materiais, na esfera cível.
Indenização
Inúmeras vítimas trabalhavam na B1 e outras viviam em áreas atingidas pela lama. Assim como em Mariana, centenas de pessoas perderam casas, locais de trabalho e familiares em Brumadinho. “A empresa tem o dever de indenizar pelos seus atos e prejuízos causados, considerando se tratar de responsabilidade legal objetiva, desde que devidamente investigado e comprovado”, destaca Rovai.
O especialista ainda enfatiza que em relação aos danos causados pela empresa, os bloqueios de valores feitos pelo poder judiciário têm a função de causar um reparo imediato, a fim de auxiliar nas buscas e auxílio às famílias afetadas pela tragédia. “No entanto, sobre as reparações no longo prazo, observa-se que a empresa deve rever todas as suas barragens, de maneira que outros acidentes sejam evitados, da mesma forma que devem ser reparados os atos causados, bem como políticas da empresa para a reconstrução do meio ambiente e reparação dos danos”, esclarece.
Para o professor Florêncio, a princípio, além de indenização por danos morais e materiais, “poderiam ser tomadas medidas para fins de acolhimento, estadia em hotéis, pousadas, imóveis locados, etc., arcando com os custos relativos ao translado, transporte de bens móveis, pessoas e animais, além de total custeio da alimentação e de fornecimento de água potável”, assinala.
Lições para o futuro
O andamento dos casos cabe à Justiça mineira, tanto de Mariana, que continua em processo após três anos, quanto de Brumadinho. “Sem punição e castigos efetivos para os devidos responsáveis, o problema tende a se repetir”, adiciona Luz. Em casos como esses, a empresa da barragem e os responsáveis pela fiscalização e monitoramento precisam ser cobrados. “Como você mensura a perda de uma vida?”, questiona o professor.