A relação entre programas de transferência de renda e a saúde mental de jovens e adolescentes foi o principal objeto de estudo do projeto Chances - 6, coordenado pela London School of Economics and Political Science, do Reino Unido, e que no Brasil contou com a orientação da professora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, (UPM), Cristiane Silvestre de Paula. Na última quinta-feira, 10 de março, os resultados da pesquisa foram divulgados em evento on-line, que contou com uma série de palestras para tratar do tema da investigação científica.
O encontro contou com a participação dos coordenadores e de autoridades públicas e mackenzistas. “Estamos a tratar de um projeto de escopo internacional que usa os nossos dados para cuidar do nosso povo. Gostaria de parabenizar na perspectiva de troca de experiências que possam resultar em ações públicas, ações que efetivamente aconteçam para mudar a vida das pessoas”, celebrou o reitor da UPM, Marco Tullio de Castro Vasconcelos.
O chanceler do Mackenzie, reverendo Robinson Grangeiro foi o responsável pela reflexão bíblica que antecedeu as palestras e a discussão sobre os resultados da pesquisa. Usando o conflito entre Ucrânia e Rússia como exemplo da forma como crianças e adolescentes são os mais vulneráveis em situações de guerra, pobreza e desastres. Ao mencionar a situação, o reverendo lembro que a palavra de Deus ordena o cuidado com os mais vulneráveis e reforçou a necessidade da instituição zelar para fazer a diferença na sociedade.
“Sejamos aqueles que possam fazer o que é possível fazer, que sejamos pessoas que possam dar mais oportunidades e não excluam ainda mais aqueles que são vulneráveis”, declarou o chanceler.
A apresentação dos resultados da pesquisa contou com a realização de três palestras, com direito a perguntas no final. A coordenadora geral do CHANCES-6 e pesquisadora do Care Policy and Evaluation Center da London School of Economics and Political Science, Sara Evans, falou sobre Quebrando o Ciclo da pobreza e da saúde mental: dar dinheiro é suficiente para melhorar a vida da população jovem?; a mackenzista Cristiane de Paula também palestrou, sobre o tema CHANCES-6: o que os dados brasileiros revelam; por fim, o economista e pesquisador da instituição londrina, David McDaid, falou sobre A dinâmica entre pobreza, saúde mental e oportunidades de futuro de jovens carentes.
Além das palestras, o evento contou com a presença de autoridades e representantes do setor público, algo que foi bastante celebrado, já que a academia, com o resultado da pesquisa, poderia fornecer embasamento para novas políticas públicas. “Eventos como esse destacam a relevância de não apenas trazer à luz os problemas, mas de apresentar as ações que buscam mudar essas realidades. Trazer os resultados das ações desses diversos setores e das iniciativas evidencia a importância de se envolver os diversos atores desse processo”, afirmou o diretor do CCBS, Jan Carlo Delorenzi.
Juntamente com as autoridades mencionadas, estiveram presentes no evento: a coordenadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da UPM, professora Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira; a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM, Ana Alexandra Osório; o secretário de Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalin; o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Fernando Maia da Cunha; o coordenador de Gestão de Benefícios da Secretaria Municipal de Ação e Desenvolvimento Social de São Paulo, Luís Fernando Francisquini; e a coordenadora de Política para Criança e Adolescente da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Cidadania, Cristiane Pereira.
Resultados do Chances-6
A professora Cristiane Silvestre de Paula foi a responsável pela apresentação dos dados brasileiros encaminhados para a pesquisa, relativos ao programa de transferência de renda, Bolsa Família, criado em 2003. A pesquisa foi dividida em diversas vertentes, como um levantamento científico de artigos e estudos feitos sobre os impactos sobre o programa governamental; e outro com entrevistas e narrativas de pessoas ligadas ao Bolsa Família na cidade de São Paulo, como pais e filhos que dependem do programa, bem como trabalhadores ligados à iniciativa.
No Brasil, entre nove e 14 milhões de crianças têm algum problema de saúde mental, porém, apenas 20 e 30% delas recebem algum tipo de atendimento. Além disso, 35% das menores de 14 anos no país vivem em situação de pobreza. A chegada do programa governamental trouxe inúmeros benefícios na vida dessas famílias, mas a maioria deles ligado à melhora na alimentação.
A pesquisa revelou que, apesar dessas melhorias, não foi diagnosticado no país uma relação entre o Bolsa Família e uma melhora nos índices de saúde mental em crianças e adolescentes, nem nos comportamentos pró-sociais de jovens. “A trajetória de pobreza é claramente minimizada pelo Bolsa Família, o programa apresenta diversos benefícios à vida das pessoas. Mas não está associado com uma melhora ou piora com as questões de saúde mental”, apontou a professora Cristiane de Paula, que ressaltou ainda que os dados indicam que o programa pode ser melhor aproveitado para trazer benefícios na área de saúde mental dos jovens.
O Chances-6 foi realizado em outros países, com resultados totalmente diferentes. No México, por exemplo, houve uma mudança significativa no comportamento dos jovens que faziam parte de programas de distribuição de renda, com a queda nos índices de ansiedade leve.
“Saúde mental é um fator fundamental relacionado com a pobreza e as oportunidades de vida – pessoas em situação de maior vulnerabilidade social estão mais sujeitas a enfrentar problemas de saúde mental. Problemas de saúde mental podem dificultar oportunidades de crescimento, portanto, geram pobreza. É um ciclo. Mas programas de distribuição de renda não têm foco nessa dinâmica”, explicou a pesquisadora Sara Evans.
De forma geral, no entanto, a relação entre programas desse tipo e os dados de saúde mental não apresentam grande relação, pois as iniciativas não costumam focar em questões comportamentais, tornando os valores mais direcionados para outras prioridades familiares mais urgentes, como alimentação.
"A pesquisa evidenciou que os programas de transferência têm ajudado expressivamente nos índices de pobreza e de saúde, seus principais objetivos. Mas também revelou que somente dar dinheiro não é suficiente para melhorar a saúde mental, indicando que novos componentes devem ser elaborados para ampliar os alcances do Bolsa Família maximizando seus efeitos positivos", apontou a pesquisadora do centro de educação de Londres.