O fenômeno Adolescência, minissérie da Netflix com quatro episódios, está entre os mais assistidos da plataforma desde sua estreia e chama atenção pela narrativa imersiva, ótimas atuações e temas sensíveis, porém atuais. A trama apresenta a história do menino Jaime, de 13 anos, acusado pelo homicídio de uma colega da escola, e percorre os impactos do crime em sua vida, sua família e sua escola.
Pensando em debater a temática e suas diferentes vertentes, o curso de Psicologia, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), em parceria com os cursos de Direito e Cinema, realizou, no último dia 08 de abril, o bate-papo Diálogos sobre Adolescência: Olhares da Psicologia, Direito e Cinema, com a participação de pais, alunos e professores dos três cursos.
Segundo o coordenador do curso de Psicologia e responsável pelo evento, professor Fabiano Fonseca, a ideia surgiu a partir da repercussão da minissérie. “Fiquei impactado, como imagino que boa parte das pessoas tenha ficado, e pensei que deveríamos dialogar sobre dentro da Universidade, em uma discussão mais ampla, multi e interdisciplinar, daí veio o convite para os outros cursos”, contou o professor.
Olhar da Psicologia
De acordo com o professor Alex Moreira Carvalho, do curso de Psicologia, o que vemos na minissérie é uma interpretação da realidade, com muitas lacunas, e que em alguma medida, a realidade será trágica, por isso o público fica com a escolha entre o terror e a pena. “A partir do personagem principal é mobilizado o sentimento de terror, afinal, o menino fez o que fez, e o sentimento de pena, pois ele tem 13 anos”, aponta.
É dado também ao espectador, segundo o docente, o conceito de “pense sobre isso”, que significa tentar encontrar respostas sobre como pode um crime daquela natureza ter ocorrido. “Como os processos de percepção que a psicologia estuda estão ligados à emoção, pode-se dizer que ao assistir a minissérie, articulamos uma inteligência sensível, porque pensamos e sentimos, seja forçado pelo terror, pela pena, ou por ambos”, definiu o professor Alex Moreira.
A professora Berenice Carpigiani, de Psicologia, destacou que a obra provoca levantamento de hipóteses para justificar o crime, como por exemplo, uma possível disfuncionalidade da família ou negligência da escola. Em uma análise, considerando todos os contextos da trama, a docente apontou que os aspectos afetivos são demonstrados de uma forma muito particular, pois é resultado da cultura e sociedade que aquele grupo está inserido.
“Na família não tem uma agressão física, um abuso ou um descaso, o menino é cuidado de alguma forma. A escola, perdida no meio da linguagem e do comportamento dos adolescentes, tenta fazer com que os alunos se interessem pelo que ela entende que seja importante para torná-los bons cidadãos”, explicou a professora.
Também foi tratado sobre o sentimento de rejeição, vivenciado pelo personagem Jamie ao longo da história. Segundo a professora Berenice, a rejeição por parte dos cuidadores pode levar ao sentimento de inadequação e desamparo, afetando significamente o desenvolvimento emocional e psicológico do indivíduo. “As experiências de rejeição e abandono tem ramificações profundas na vida das pessoas e influenciam a autoestima e o bem-estar emocional. Quando a pessoa não tem recursos para lidar com a rejeição, a resposta é um ato. O Jamie, não sabendo o que fazer com a raiva, ele atua e mata a garota”, explicou.
Olhar do Direito
Segundo a professora do curso de Direito, Michele Asato, a Inglaterra, local em que a série se passa, é o país europeu que pune mais cedo, aos 10 anos de idade, quando se trata de crimes de homicídio, abuso sexual e terrorismo. No Brasil, a maioridade penal é de 18 anos, mas há um movimento de redução para 16 ou 14 anos para crimes hediondos.
“Há duas posições do ponto de vista jurídico, uma que defende a maioridade penal no Brasil como cláusula pétrea, ou seja, dispositivos constitucionais que não podem ser alterados. A maioridade penal está prevista no Artigo 228 da Constituição de 1988. Porém, muitos sustentam que a cláusula pétrea está em se manter uma idade mínima, mas não necessariamente a idade, ou seja, poderíamos mudar para 16 ou 14 anos”, pontuou a professora Michele Asato sobre a discussão jurídica.
A professora de Direito, Ana Claudia Torezan, explicou que o conceito criança, no âmbito internacional, define o sujeito até os 18 anos de idade, portanto a palavra adolescente não existe na Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989. Porém, o Brasil subdividiu, exclusivamente para o chamado ato infracional, isto é, o crime cometido pelo menor de 18 anos, a criança como indivíduo de zero a 12 anos e o adolescente como indivíduo de 12 a 18 anos completos.
“Se um ato infracional foi cometido por uma criança, a forma de responsabilização é uma, se foi cometido por um adolescente, a forma de responsabilização é outra. O que aconteceria com o Jamie se fosse no Brasil? Ele seria recolhido pelo Conselho Tutelar, acompanhado pelos pais, e não seria algemado. Depois, seria internado na Fundação Casa por até três anos, receberia medidas protetivas e passaria por tratamento psiquiátrico e psicológico, bem como a sua família”, disse a professora Ana Torezan.
A coordenadora do curso de Direito, professora Marcia Alvim, falou sobre o que está estabelecido na Constituição de 1988 em termos da formação do humano. “A educação é um direito de todos e um dever do Estado, da sociedade e da família, os três agentes responsáveis pelo processo educacional. Hoje, o nosso desafio, em termos educacionais na Constituição, venha ser o cumprimento do disposto do pleno desenvolvimento da pessoa humana de uma forma integral”, pontuou a docente.
Olhar do Cinema
Para o coordenador do curso de Cinema, professor Hugo Harris, o foco da minissérie não é investigativo, mas sim um estudo sobre o comportamento dos personagens – o menino Jaime, os pais, os policiais, a psicóloga – que enriquece a trama. “O comportamento de todos está em avaliação e em perspectiva, pois queremos entender o caldeirão de coisas que faz nascer um crime como esse”, afirmou.
Outro ponto destacado pelo docente é a maneira como a história se apresenta ao público, a partir do uso, em todos os episódios, do plano sequência, técnica na qual não há cortes nas cenas. “É uma câmera que se movimenta, que caminha entre ambientes, que percorre personagens”, definiu o professor Hugo Harris.
O resultado, segundo ele, chama a atenção de quem assiste porque a técnica proporciona uma vivência artística e da história a ser contada. “Adorei a minissérie por causa da condução da história e, principalmente, pelas performances dos atores. O fato de não ter corte valoriza a performance do ator, pois temos a oportunidade de ver o artista brilhar, como se fosse uma peça teatral, só que com o movimento de câmera”, disse.
Por fim, o professor afirmou que o tema é muito bem trabalhado, os diálogos são muito bons e os personagens muito bem interpretados, portanto, é uma obra para “abrir o debate sobre comportamento de jovens, redes sociais, machismo estrutural, feminicídio e vários outros temas modernos que precisam ser comentados”.