No ano de 2024, a América do Norte completa 30 anos do acordo do Nafta, colocado em vigor em 01 de Janeiro de 1994 e remodelado em 2020 sob o nome USMCA, incluindo provisões especificas para o mercado automobilístico, além de modernizações trabalhistas e ambientais. Apesar de proporcionar resultados econômicos robustos, tanto o acordo em si como a própria ideia de livre comércio continuam enfrentando resistências de setores políticos de variados espectros ideológicos. De modo geral, as críticas são focadas nas diferenças do ambiente laboral entre os países com efeito em um potencial desequilíbrio competitivo, na possibilidade de produtos chineses serem comercializados com o selo “Hecho em Mexico” e em uma potencial diferença de tratamento da economia mexicana. Com efeito, tanto o presidente eleito dos EUA, D. Trump, quanto a presidente recentemente eleita do México, C. Sheinbaum, demonstraram interesse em renegociar o acordo.
Deixando o ruído político de lado, uma avaliação da contribuição da iniciativa de livre comércio às economias envolvidas pode delinear o caminho de continuidade do acordo e servir de exemplo para países emergentes, como o Brasil, a respeito dos benefícios econômicos e socias advindos da liberalização do comércio internacional.
Dados do Federal Reserve apontam que o Produto Per Capita do México, constante em Dólares, apresentou um salto de cerca de 30% no período iniciado em 1995 voltando ao topo da série histórica, atingido em 2018 antes da pandemia de Covid afetar economias por todo o mundo. Esse movimento foi acompanhado de uma redução nos índices de desemprego de um patamar entre 6,0% e 6,5% para o nível atual entre 2,5% e 3,0%. Tais resultados são efeito de uma brutal diversificação da indústria mexicana, deixando de lado a dependência histórica da exportação de petróleo e gás. Atualmente, estudos apontam que cerca de 80% das exportações do país são de produtos manufaturados, com peso crescente em bens com alto grau de tecnologia, tais como maquinários e químicos.
A preponderância do impacto da liberalização comercial nesses números se torna evidente quando se analisa o crescimento das importações, nos EUA, advindas do México. No período citado, as trocas entre os dois parceiros cresceram cerca de 10 vezes para US$ 44 bilhões. Ademais, o México passou a contar com investimentos estrangeiros diretos anuais tipicamente entre 2,0% e 3,0% do GDP, com picos em torno de 4,0%. Tal injeção de capital é definitivamente superior à média anterior ao Nafta, entre 0,5% e 1,5%.
Em uma perspectiva teórica, o fenômeno do crescimento econômico experimentado pelo México pode ser encarado pela mudança de produtividade proporcionada pelo incremento do trafego comercial. Partindo da função de produção neoclássica, o crescimento econômico per capita é uma função do crescimento do nível de capital e de um coeficiente de produtividade, ou tecnologia, que media a relação entre o capital e o trabalho, como insumos do processo produtivo. Neste sentido, o modelo de crescimento de Sollow prevê que o impulso econômico é limitado para países mais pobres por conta da falta de poupança dessas sociedades, o que implica em menor acumulação de capital.
Como visto, a liberalização comercial proporcionou ao México o acesso a investimentos diretos, o que implicou na maior capacidade de acúmulo de capital devido a poupança externa. Em segundo plano, esse investimento no país também resultou em um incremento no nível de tecnologia empregada na economia, o que se evidencia pela grande diversificação industrial que o México apresenta na atualidade, com incrementos ainda mais notados em produtos manufaturados com conteúdo tecnológico.
Como se pode esperar, indicadores sociais também refletem essa mudança verificada nos negócios. Em uma compilação de dados, a Universidade de Groningen observa um crescimento consistente do Índice de Capital Humano do México. Tal indicador é calculado a partir da quantidade média de anos de escolaridade em cada nação, aplicando pesos distintos por tipo de educação de acordo com seu impacto potencial no nível geral de produtividade. Similarmente, as Nações Unidas verificaram um incremento substancial do México em seu Indice de Desenvolvimento Humano para 0.781, crescendo a partir de 0.666 na década de 90 e muito próximo de figurar entre os países de “muito alto” desenvolvimento humano. Assim sendo, os ganhos econômicos alavancados pela liberalização comercial foram traduzidos em benefícios gerais para a sociedade mexicana.
Por fim, devemos considerar que a abertura comercial também implicou em um fator de estabilidade para a economia mexicana, que minimizou crises macroeconômicas. Antes do USMCA, a dependência relacionada a exportação de petróleo e ao acesso a liquidez financeira pelo governo, conferiam ao México um perfil de volatilidade e risco. A diversificação da pauta de exportação e o maior ingresso de moeda estrangeira pela via comercial diminuíram a exposição do país e minimizaram efeitos adversos, como a Crise da Tequila de 1995.
Mudando para o outro espectro da relação, os EUA também se beneficiaram da relação comercial com os outros dois parceiros do USMCA. Embora a economia americana seja menos dependente dos efeitos diretos do acordo, o acesso à capacidade produtiva industrial dos parceiros representou folego para um desempenho econômico sólido, pouco afetado por um nível de desemprego bastante reduzido que perdura na economia americana há cerca de uma década. Não menos importante, o USMCA ajuda a reduzir a dependência por produtos manufaturados chineses, principalmente em industrias em que o conteúdo tecnológico pode ser visto como sensível por Washington. Com efeito, a importação de produtos chineses e mexicanos, que chegou a ser 64.6% maior para a nação asiática em Outubro de 2018, se encontra em níveis semelhantes no presente.
Os países emergentes, entre eles o Brasil, podem tirar lições sumamente importantes deste histórico. Primeiramente, fica claro que a integração comercial propicia um ciclo de investimentos e de ganho de eficiência para a economia. Esses movimentos claramente beneficiam a sociedade em forma de educação, índices de qualidade de vida, produtividade e renda. A manutenção de tais politicas se mostraram eficazes alavancas de melhoria social e econômica.
Além disso, ganhos de produtividade, tecnologia e escala sobrepujaram anseios de empresários que temem o aumento de concorrência ao implantar politicas de liberdade comercial. Seguramente, algumas firmas não tiveram capacidade de adaptação em relação ao arcabouço comercial do USMCA. O ganho produtivo, por outro lado, se mostrou muito mais profundo implicando inclusive em mudança do paradigma produtivo. Por fim, o sucesso da abertura comercial no médio prazo ultrapassa os ruídos proporcionados pelo processo politico no curto prazo. A manutenção de tais iniciativas deve ser encarada como um bem para a sociedade, o qual não está sujeito a tergiversações potencialmente populistas.
Em um momento que pode parecer desafiador para o USMCA, cabe aos parceiros da aliança a garantia dos benefícios mútuos que a liberdade econômica pode proporcionar e a outras nações, como o Brasil, o aprendizado em relação aos benefícios de abertura e o engajamento ativo em ações de longo prazo neste sentido.
Escrito por: Rogerio Adelino - Consultor de investimentos e ex CFO da Ericsson para o México, América Central e Caribe.
Referencias:
- World Bank, Constant GDP per capita for Mexico [NYGDPPCAPKDMEX], retrieved from FRED, Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/NYGDPPCAPKDMEX, November 11, 2024.
- Organization for Economic Co-operation and Development, Infra-Annual Labor Statistics: Monthly Unemployment Rate Total: 15 Years or over for Mexico [LRHUTTTTMXA156N], retrieved from FRED, Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/LRHUTTTTMXA156N, November 11, 2024.
- U.S. Census Bureau and U.S. Bureau of Economic Analysis, U.S. Imports of Goods by Customs Basis from Mexico [IMPMX], retrieved from FRED, Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/IMPMX, November 11, 2024.
- University of Groningen and University of California, Davis, Index of Human Capital per Person for Mexico [HCIYISMXA066NRUG], retrieved from FRED, Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/HCIYISMXA066NRUG, November 11, 2024.
- United Nations Development Programme, Human Capital Index, retrieved from UNDP; https://hdr.undp.org/data-center/human-development-index#/indicies/HDI, November 11, 2024.