Em que modelo de negócios empreender? Discutindo as questões de regulamentação e governança

Em que modelo de negócios empreender? Discutindo as questões de regulamentação e governança

03.09.2018

Comunicação - Marketing Mackenzie


por Vania D’Angelo Dohme e Lilian A. P. Miguel

 

Nos últimos tempos, vem-se notando um decrescente egocentrismo nas pessoas e há que se supor que isso decorre de alguns fatores: o primeiro, lamentável, é o aumento da pobreza, da usual ineficiência pública no atendimento de necessidades básicas da população, no campo social, e a degradação ambiental, causada por décadas de uso de recursos naturais sob condições institucionais que induzem à sobre utilização, hoje sentida por catástrofes climáticas e extinção de espécies, entre outras evidências deploráveis, o segundo fator possível de ser aventado e o aumento de veículos mediáticos que evidenciam essas situações a todo momento, isso potencializado por uma comunicação em rede, que faz com que as pessoas troquem as suas impressões, compartilhem reflexões e conjecturem soluções.

As evidências desse altruísmo podem ser sentidas pelas inúmeras campanhas que procuram minimizar essas mazelas promovidas pelos meios de comunicação, pela sociedade civil organizada e pela procura das empresas em se mostrarem responsáveis social e ambientalmente, evidentemente para criar laços mais fortes com o seu público alvo, o que revela, em última análise, que esses consumidores não estão mais ávidos, ou não acreditam, na promessa de uma vida glamorosa, repleta de prazeres hedonísticos que aquele produto poderá lhe oferecer, mas sim querem estar ao lado de uma empresa que tenha práticas éticas e responsáveis com o entorno que está inserida, com seus funcionários, que tenha práticas de produção ecoeficientes.

Nesse cenário, surge uma nova geração de empreendedores, aquele que deseja colocar suas expertises e seus esforços em um negócio que possa minimizar esses efeitos, buscando um fortalecimento da sociedade por meio de sua intervenção empresarial. Normalmente o perfil desse agente é jovem, culto, informado, ético e cheio de vigor para transformar o mundo, nem que seja em uma pequena parte dele. A evolução da ideia focada na construção do plano de negócios vai esbarrar em um elemento que pode ser a tesoura que corta a raiz de seus sonhos: qual natureza jurídica da empresa adotar?

As organizações que visam transformações positivas de impacto social, seja em relação a pessoas ou ao meio ambiente, se formam juridicamente em uma associação ou fundação, reguladas pelo Código Civil artigos 53 a 61 e 62 a 69, respectivamente, sendo as mais corriqueiras as associações[i], cujas características principais são estar apoiada em um grupo de pessoas que acreditam, e querem combater, na mesma causa.

Esse grupo de pessoas irá legislar e aprovar um estatuto para reger os procedimentos da organização e uma diretoria para administrá-la segundo esses preceitos. Anualmente essa assembleia se reunirá para analisar a fidelidade com que a organização está cumprindo com aquilo que foi estabelecido pelo colegiado. Esses dirigentes não são remunerados e não há distribuição de lucros entre seus associados, toda a sobra financeira deverá ser reinvestida na própria organização.

Por razões óbvias, a possibilidade de não obter lucros, ou seja, não acompanhar, embora em limites mínimos o seu crescimento econômico pessoal ao crescimento econômico da empresa criada, mina o entusiasmo, principalmente daqueles empreendedores mais arrojados, criativos e proativos.

As empresas com fins lucrativos, reguladas pelo reguladas pelo Código Civil Brasileiro, artigos 966 ao 1140[ii], é uma solução, porém, a alta carga tributária, a indisponibilidade de incentivos e patrocínios irão onerar a oferta do serviço final, o que poderá impossibilitar o atendimento às causas que visam transformações sociais e fortalecimento da comunidade. Sem contar a dificuldade de se contar com a credibilidade da sociedade, perante as dificuldades de se avaliar a relação de atendimento das causas sociais versus a lucratividade obtida pelo seu proprietário.

Em vista disso, parece cabível a discussão de um modelo de negócios, que deverá recair na construção de um marco legal, que dê amparo à criação de empresas com fins lucrativos cujo objetivo de negócios de impacto social. Em que pese a discussão ser longa e carente de diversas pesquisas e reflexões, arrisca-se primitivamente aventar um modelo, cujo única pretensão seria dar as primeiras pinceladas em um quadro que será pintado a muitas mãos.

A ideia básica funda-se em que esse tipo de empresa seja administrado a exemplo de uma empresa com fins lucrativos comum no que tange a gestão financeira, de processos e pessoas, porém, que a consecução de seus objetivos sociais sejam validados por um conselho constituído por pessoas vinculadas às transformações pretendidas, sejam elas formadores de opinião da comunidade, experts na causa, assistidos, representantes políticos, religiosos e acadêmicos. Evidentemente, essa formatação aproximaria as empresas à obtenção de facilidades tributárias, de incentivo e patrocínio comuns às organizações sociais sem fins lucrativos.

A ideia é ousada, porém, sabe-se que a ousadia é parente da inovação, capaz de atender necessidades antes imperceptíveis, algumas, poucas, prosperam, outras se modificam para prosperar, e outras apenas nascem para questionar e provocar... Em qual situação essa ideia se encontra? Quem está disposto a “pagar para ver”?

 

 

 

 

 


[i] [i][i]   As associações aqui tratadas são reguladas pelos artigos 53/61. As fundações, pelos artigos 62 a 69, e as empresas, pelos artigos 966 a 1140.

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